Por Cristina Tadielo *
O mês de julho, dedicado às mulheres negras, recebe este atributo pela comemoração, no dia 25, do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. A data tem grande relevância nacional e internacional, por buscar reconhecer a importância da mulher negra na construção da sociedade brasileira, bem como dos outros países latino-americanos.
Existe um fenômeno social chamado “Apagamento histórico” que consiste em uma das tecnologias mais perversas das opressões estruturais. Neste contexto, mulheres negras, indígenas, LGBTQIA+ etc. foram escondidas debaixo dos tapetes da história e seus feitos, suas produções foram extorquidos e desfrutados pelo sistema patriarcal e machista. Trata-se de um dos propósitos desse apagamento, talvez o mais grave denominado usurpação.
Pouco se sabe e/ou conhece acerca de produções de mulheres negras que contribuíram para a formação do pensamento social brasileiro. Certo é que há uma potente participação destas mulheres, tendo em vista as fortes denúncias de bases violentas, racistas e misóginas sob as quais se apoia o capitalismo global, o patriarcado e as mais diversas formas de segregação.
O Brasil é uma nação cuja história foi conduzida e apresentada de forma alegórica e romantizada atendendo a determinações estruturadas no poder, na sua manutenção por meios convenientes que o estabelecesse.
Mulheres negras de histórias diversas, em vários setores como na política, na educação, na saúde, nas lideranças comunitárias, nas periferias construíram um pensamento de engajamento e luta para a formação de um país mais justo sem terem, por isso, visibilidade e o devido reconhecimento por suas produções.
A escola, por exemplo, sempre atribuiu aos homens as grandes mudanças sociais, as valorosas conquistas bem como os mais importantes acontecimentos, usurpando e deixando de lado a fundamental importância das mulheres, principalmente as negras.
Nomes como ESPERANÇA GARCIA, considerada a primeira mulher advogada do Brasil, no século XVII, TEREZA DE BENGUELA, líder quilombola no século XVIII, MARIA FIRMINA DOS REIS, talvez a principal escritora negra brasileira do século XIX, ANTONIETA DE BARROS, jornalista, educadora, militante e deputada no início do século XX entre tantas outras, de épocas diferentes e ao longo da história assim também como VIRGÍNIA BICUDO, pioneira nos estudos sanitários e na psicanálise nos anos 40. CAROLINA MARIA DE JESUS, escritora, favelada, autora improvável nos anos 60, LÉLIA GONZÁLES, intelectual, política, professora e antropóloga, ativista antirracista nos anos 70/80, são pouco conhecidas, porém são fortes referências nas lutas e em conquistas sociais.
Não se pode negar que o Brasil, dentro de certas perspectivas, muitas delas resultado de lutas encabeçadas por mulheres negras, avançou socialmente. Todavia, as estruturas de opressão, capitalistas, patriarcais e racistas ainda imperam e como consequência tem-se ainda, em pleno século XXI, o potencial pensamento de inexistência de mulheres negras.
As mazelas sociais causadas pelo racismo trazidas à tona nos últimos tempos são resultado de potenciais enfrentamentos por mulheres negras que, embora invisibilizadas, resistiram e sobreviveram a violências seculares.
Neste sentido, no “Julho das Pretas” levanta reflexões acerca da importância da mulher negra na estruturação social e no combate a violência e as desigualdades, assim como a indignação e o combate mais eficaz a violência (física e emocional) que o racismo e o sexismo produzem.
Precisa que ser provocativo ao levantar questões do racismo epistemológico que apagou as pessoas negras, principalmente mulheres, da história; no reconhecimento de que condição humana é uma prerrogativa também de negros e a sua valorização é fenômeno produzido pela força e coragem de mulheres negras ao longo dos tempos, através de suas produções, lutas, ativismos e a resistência diária.
Ao celebrar a data, há que reverenciar as energias da determinação impetradas por mulheres negras ao longo da história. Mulheres, cuja memória foi intencionalmente suprimida, mas que resistiram e construíram um caminho de fortaleza, objetivando o direito igualitário e afirmativo na diversidade, sem racismo e sem sexismo.
Mulheres que ensinaram e ensinam que mais do que resistência, há que ser existência.
Cristina Tadielo é mãe, Advogada, Educadora Psicopedagoga Especializanda em Direitos Humanos e relações Étnicos Raciais; Pós-graduanda em História e Cultura Indígena e Afro brasileira