Quando começou a divulgar as ilustrações do calendário 2019 que criou com imagens de intelectuais negras (brasileiras e estrangeiras) em seu perfil no Instagram, Taynara Cabral, de 22 anos, não imaginou que estava prestes e se tornar uma influenciadora digital. Em poucos dias, ela passou de 500 para 5 mil seguidores na rede social e viu seu trabalho atingir pessoas como a filósofa Djamila Ribeiro, uma das homenageadas.
“Fiquei muito feliz em ver que meu trabalho alcançou tantas pessoas, e não sei nem explicar a alegria que foi quando ela compartilhou e se viu representada e valorizada. Foi por isso que busquei fazer o calendário, dar visibilidade para essas mulheres que a gente não conhece e têm tanta importância para a nossa militância”, disse a jovem, que continuou: “Além disso, queria também dar força para tantas outras mulheres, ainda mais pelo que está por vir no próximo ano. Há um sentimento de pessimismo e de desesperança com o cenário político, por causa do
retrocesso que tem acontecido, por isso quis fortalecer a luta e mostrar as mulheres que vieram antes de nós. A gente vai conseguir resistir apoiadas uma nas outras, não estamos sozinhas”, explica a publicitária.
Essa não é o primeiro trabalho de Taynara ligado a questão racial. Antes do lançamento do calendário, ela havia divulgado uma série de ilustrações, também no Instagram, falando sobre racismo no Brasil. “No dia 2 de novembro, quando lancei a sequência de stories sobre racismo, foi mais para o meu círculo de amigos, para falar sobre isso de uma forma didática, através das ilustrações. A idéia era falar que ele existe de fato, que hoje estrutura-se nos detalhes, e mostrar que a gente precisa resolver isso, não pode mais ficar romantizando a situação dizendo ‘somos todos iguais’, porque isso só torna as coisa mais difíceis”, comenta Taynara.
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Apesar da fala madura, a consciência de sua negritude chegou recentemente. Nada que diminua a potência de seus atos, nem de suas palavras, que estão chegando em mais pessoas a cada dia.
“O meu entendimento quanto mulher negra é muito recente. Pensar o lugar que eu ocupo, os lugares a que eu tive acesso e que outras mulheres negras não tiveram, tanto na questão física como outras características que me colocam numa condição de privilégio em relação à outras mulheres negras, é novo. Uma característica do racismo que costumo sempre falar é a eficiência. Ele tenta fazer com que nós negros não aceitemos os nosso corpos, nossas raízes, e esse processo de reconstrução é muito lento. A eficiência do racismo está, por exemplo, no meu cabelo que é alisado e que por muitos anos ele foi assim por ser imposto. Só agora eu entendi que pode ser uma escolha”, analisa a publicitária, que acredita que ter em quem se espelhar faz toda a diferença. E o calendário pode, de alguma forma, ocupar esse lugar de espelho:
“A melhor forma de se construir identidade é buscar referência. E só aos 20 anos, por aí, que eu tive as minhas, que me cerquei de mulheres negras que têm experiências parecidas, vivências e questões parecidas com as minhas, só aí que consegui me entender mesmo e ver que eu não estava sozinha. É muito importante buscar referências para entender que a sua beleza é única e que você é bonita do jeito que é”.
Recém formada em Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e responsável por três empresas, Taynara entrega que sempre foi criativa, mas que demorou para acreditar de fato nas próprias habilidades. Isso mostra como o processo de apagamento que os corpos negros sofrem afeta várias camadas da construção do sujeito.
“Por muito tempo sempre fui muito subestimada. Eu tenho 22 anos, mas algumas pessoas me dão 17. Pequena, magra, falo baixo, as pessoas sempre duvidaram da minha capacidade, e isso afetou muito a forma como eu me enxergava. Eu não me via como uma artista, com uma produtora de conteúdo, e também não conseguia encontrar um lugar de fala onde eu pudesse ser ouvida. Foi ao longo dos anos que encontrei pessoas que apostaram em mim de fato. Na faculdade, o círculo de amigos foi que me abriu portas e me deu acesso a espaços para eu ter a bagagem que eu tenho hoje. E as ilustrações foram um lugar onde eu encontrei um jeito de ser ouvida e alcançar outras pessoas”.
Mesmo sem saber certo o que esperar do futuro, esse autoconhecimento e amadurecimento profissional faz com que ela tenha a certeza de que trabalhará com publicidade social:
“A professora Patrícia Saldanha trabalha com esse conceito de ‘Publicidade social’. Ao longo da minha formação que eu cresci muito, meu pensamento crítico em torno da publicidade e comunicação amadureceu. Passei a entender que a comunicação tem um papel social muito importante de influenciar e de conscientizar. É através da comunicação que a gente vai fazer mudanças reais na sociedade. Eu acredito muito na comunicação, mas nessa comunicação plural, feita por todos e para todos, para que todos possam ter voz”, afirma Taynara Cabral.