Falar de “Consciência Negra” é falar de ser humano e de direitos fundamentais à vida. Requer de todos um profundo mergulho na construção histórica da sociedade contemporânea e da dinâmica na qual ela funciona.
A partir do momento em que, socialmente, se racializou a humanidade com o objetivo de que determinados grupos mantivessem o poder em face de outros, sob justificativas de “existência de uma raça superior”, o homem branco ocidental, representante legítimo desta raça, ocupou o topo da pirâmide da espécie. Aí estaria explicado seus privilégios, direitos e o domínio sobre aqueles que foram classificados como inferiores. E inferiores seriam, principalmente, a população negra, essa considerada como uma raça sub-humana.
Na perspectiva da construção das relações civis e cidadãs brasileiras, percebe-se a herança escravagista que racializou a estrutura social e institucionalizou práticas segregatórias em relação à população negra.
As Narrativas históricas de cada negro, como a minha, Maria Aparecida Flausino. Sou enfermeira, na cidade de Guanhães (MG), pós-graduada em enfermagem do trabalho e expresso com nitidez toda a saga de opressões que a população negra enfrenta diariamente e que, muitas vezes, para não dizer sempre, naturaliza em razão de um inconsciente coletivo muito bem articulado para a manutenção de desmandos e de poderes.
Para sobreviver e ajudar na sobrevida familiar, comecei a trabalhar bem cedo, aos sete anos. E assim foi até que consegui cursar o Magistério, enfrentando as dificuldades estruturais. Dificuldades essas que, por força da opressão social, não são perceptíveis como tal e, assim, a tendência é a acomodação na aceitação de práticas que, na verdade, são determinadas pela máquina manipuladora dos poderes.
Lecionei na zona rural, morando de favor em razão da distância da cidade. E, ainda sim, cumprindo três horas de percurso diário a pé. Nos finais de semana, andava por quatro horas para ir ver os pais que, apesar de não terem condições de ajudar financeiramente, nunca deixaram de me incentivar.
Buscando crescer, sempre trabalhei e estudei, entrei para área de saúde, estudando em uma cidade e trabalhando em outra.
As barreiras sempre apareceram, mas nunca me dei por vencida. Entre tantas adversidades, muitas vezes tive que levar minha filha para a faculdade, contando com ajuda das cantineiras para cuidar dela, enquanto assistia às aulas. Consegui, à custa de muito enfrentamento, fazer pós em enfermagem de trabalho, continuando na batalha diária e enfrentando as dificuldades sociais.
Examinando atentamente, percebi que toda esta história de consciência de raça faz muito sentido a partir mesmo da minha própria trajetória.
É fato e visível as desigualdades que se apresentam, passam por discriminações sociais e atos racistas institucionalizados pela estrutura escravista que se tem como herança.
Fiz do trabalho um legado de vida.
A luta sempre foi desgastante e intensa, e tal intensidade, e tamanho desgaste, me faz perceber o quanto ela (a luta) se liga na naturalidade que a sociedade impõe o conceito de raças como pressuposto de manutenção de interesses.
O meu caso, enquanto representante da negritude, reflete todo o contexto racista tão evidente na rotina de pessoas pretas. Muito se deve, também, à falta de informação e, por consequência, na naturalização de atos e pensamentos.
Assim, é preciso entender que, antes de proclamar a importância de uma consciência humana e, de fato, é de extrema importância, necessário se faz refletir sobre a Consciência Negra. A isso se deve o fato de que é imperiosa a crença de que a humanidade pode ser classificada em raças diferentes e desiguais em capacidades físicas, morais e intelectuais e que, nesta concepção absurda, a comunidade negra abarca a subalternidade e a inferioridade e, por isso, não se digna a privilégios.
É preciso buscar conhecimento para que se deixe de legitimar práticas segregatórias para que a igualdade seja algo natural.
É preciso conceber, na Consciência Negra, este caminho.
Maria Aparecida dos Santos Rocha Flausino é Enfermeira, pós-graduada em Enfermagem do Trabalho e foi auxiliada pela educadora e advogada, membro da Comissão de Relações Étnico Raciais da OAB/MG, Cristina Tadielo.