Durante a pandemia do novo coronavírus, 887 mil mulheres negras perderam os seus empregos, de acordo com pesquisa realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). E uma das formas de recriação e sobrevivência foram as tranças de cabelo.
“As tranças são a minha única fonte de renda. Graças a Deus, trabalho de 3 a 5 dias na semana. Pago minhas contas, cuido da minha filha e ajudo minha família. É muito gratificante saber que algo que amo fazer me ajuda a ter a minha independência financeira”, comentou a trancista Viviane Messias dos Santos.
Desde 2009, a profissão de Cabeleireiro Étnico e Trancista passou a ser reconhecida pelo Ministério do Trabalho. No entanto, as trançadeiras não são reconhecidas. Segundo a estudiosa Luane Bento, as trancistas não tem direito aos benefícios dispostos pelo governo, como por exemplo, o pagamento de aposentadoria, ao menos que se cadastrem como Cabelereira.
Considerando isso, muitas começaram a trabalhar sozinhas. Viviane, por exemplo, abriu o seu próprio espaço de beleza afro no bairro de Fazenda Coutos, onde mora, em Salvador; e por mês, trança cerca de 25 cabelos; já em período festivo, ela chega a trançar 60 cabelos.
Ancestralidade
Para a população negra, o ato de trançar os cabelos comunica a representatividade de um povo e gera identificação. As trancistas, são essenciais nesse processo estético, isto é, elas reacendem e elevam a autoestima dos seus clientes. Além disso, o penteado representa uma autonomia as profissionais e estabelece elos entre os povos pretos.
Ainda na infância, já é possível observar meninas negras desfilando com os seus cabelos trançados, sentindo-se poderosas. Foi dessa forma que Viviane Messias e Thamires Dias, ambas trancistas, despertaram o desejo de trançar os seus próprios cabelos e de outras pessoas.
“A minha mãe e minha vó sempre trançaram meu cabelo desde pequena. No ano de 2015, comecei a trançar o meu cabelo com fibras para passar pela transição e voltar ao meu cabelo natural. E no ano de 2018, após ser demitida de uma empresa em que trabalhava, comecei a trançar os cabelos de outras pessoas. E de lá para cá, não parei mais”, relatou Viviane.
Já Thamires, afirma que despertou a vontade de trançar os cabelos de outras pessoas a partir do olhar de seu sócio. “O desejo de trançar os cabelos de outras pessoas, surgiu de um olhar diferenciado do meu sócio e companheiro em minha arte, ele achava minhas tranças perfeitas e me fez acreditar que muitas mulheres e homens seriam beneficiados dela”, afirmou.
Preconceito
Entretanto, as trancistas enfrentam escancaradamente a discriminação, assim como fala a doutoranda em Ciências Sociais e professora de Sociologia, Luane Bento dos Santos, “quem faz tranças, trabalha o tempo todo com um serviço que ainda sofre vários tipos de discriminação, por isso não há como ser trancista ou trançadeira sem se dar conta do racismo”, certificou.
A estudiosa Luane, vai além e afirma que o modelo das tranças é uma forma de ensinamento matemático, segundo ela, as tranças utilizam bases geométricas para confecção. “Durante a confecção dos trançados as trançadeiras fazem cálculos mentais para preparar os penteados. Alguns modos de organização e cálculos que elas fazem rapidamente demonstram a presença de encontro de retas, Progressão Aritmética (P.A) e operações básicas…”, explica.
O penteado que é passado de geração a geração é símbolo de uma história de luta e resiliência. As tranças são um legado vivo dos ancestrais e uma herança cultural difundida pelos povos africanos. Ainda de acordo com Luane, que faz parte do Coletivo Linhagens do Cabelo, “as tranças fazem parte do legado cultural deixado pelos nossos ancestrais africanos e africanas no contexto da diáspora e mantém viva a herança dos nossos ancestrais para os nossos mais novos”, declarou.
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