Sob calamidade da enchente, Acre expõe racismo ambiental

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Por causa das chuvas intensas dos últimos dias, o rio Acre transbordou e atingiu o nível de 16,86  metros na terça-feira (28), chegando perto de uma das enchentes extremas como a de 1997, quando atingiu a marca histórica de 17,66 metros. A cota de transbordo é de 14 metros e foi ultrapassada na quinta-feira (23). A enchente levou o governo estadual a declarar estado de calamidade pública, por meio de decreto publicado em edição extra do Diário Oficial, na semana passada. A situação revela o racismo ambiental que atinge a população mais vulnerável.

A inundação do rio Acre prejudica diretamente mais de 38 mil pessoas de bairros periféricos e comunidades ribeirinhas na capital. Desse total, quatro mil pessoas precisaram ir para casas de parentes e abrigos públicos na capital. No interior, 9.500 estão desabrigadas, incluindo cidades como Epitaciolândia, Assis Brasil e Brasileia, na fronteira com a Bolívia. A população do Acre é formada de  894.470 habitantes. Já a capital Rio Branco tem cerca de 400 mil habitantes. 

Enchente em Rio Branco, Acre. Foto cedida por Juan Vicent Diaz à Amazônia Real

A nova enchente extrema provoca danos econômicos e sociais e leva os governos estadual e federal a desenvolverem planos de contingência e campanhas para amenizar a falta de moradias, alimentos, água mineral, material de higiene pessoal, entre outros produtos. No entanto, os problemas históricos de falta de habitação e assistência social para prevenir os danos causados pela crise climática na Amazônia persistem.

A família formada pelo casal Gean Santos, 48 anos, e Janaína Santos, 46, e dois filhos é um exemplo desses problemas que persistem em Rio Branco. Os quatro moram no bairro Raimundo Melo há mais de 30 anos e convivem com o drama. “A casa ficou quase 60% debaixo d’água. Começamos a suspender (levantar com tábua de madeira) as coisas até onde deu, acreditando que a água não ia passar da porta, mas nos pegou de surpresa. O que vamos tentar salvar é os colchões que não temos como fazer esse investimento agora, perdemos tudo o que tínhamos e nós nunca esperamos que algo acontecesse nessa proporção”, contou Janaína sobre a inundação deste ano. 

Famílias perderam todos os pertences nas enchentes. Foto cedida por Juan Vicent Diaz à Amazônia Real

Em entrevista à Amazônia Real, Gean criticou a ausência do poder público na região. “Na sexta-feira (24) vi o Corpo de Bombeiros aqui para tirar as coisas de uma escola próxima e a prefeitura só apareceu no domingo com sacolões, esse é o apoio que estão dando”, disse.

Enchentes e secas extremas, deslizamentos de terra, entre outras tragédias ambientais, afetam mais as populações que vivem em situação vulnerável, incluindo comunidades negras, tradicionais e povos indígenas. As moradias nas chamadas áreas de risco revelam desigualdades sociais como a falta de residências dignas, saneamento básico e trabalho.

Violação de direitos

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, reconhece o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental do cidadão. É  um dever do Estado e da coletividade protegê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Quando este direito é negado, a cidadania, o pertencimento e a qualidade de vida também são negados.

“Esses eventos, no nosso Estado, acontecem principalmente pelo excesso de desmatamento e queimada cometidos pelo agronegócio que interfere diretamente no equilíbrio natural. Na prática, quando acontecem desmatamentos e queimadas, isso interfere no ciclo da água, pois sem floresta não tem água e se não tem água, não tem vida. Os gases estufa, causados pela liberação de carbono na atmosfera, eleva a temperatura do planeta, causando eventos catastróficos no clima. Então, algo que é raro e extremo se torna corriqueiro, a nova realidade”, explica Gabriela Souza.

O saneamento básico no Acre  ainda é um desafio em muitas áreas rurais e urbanas. De acordo com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2020, o Estado tem uma cobertura de 56,5% em relação ao serviço de coleta de esgoto e 87,3% em relação ao abastecimento de água. Nas áreas rurais, a situação é ainda mais crítica, com muitas comunidades sem acesso à água potável e sistemas de esgoto adequados. A respeito do saneamento básico do Estado, o Governo do Estado disse que a responsabilidade do saneamento na capital é de responsabilidade apenas da prefeitura e dos demais municípios, do  Governo.

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é fundamental. Foto cedida por Juan Vicent Diaz à Amazônia Real

O Estado também enfrenta o desmatamento desenfreado que contribui fortemente com as mudanças climáticas. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Acre perdeu 88 km² de floresta amazônica em fevereiro de 2022, um aumento de 11% em relação ao mesmo mês do ano anterior. Em 2021, o desmatamento no Estado atingiu seu maior nível em 12 anos, com 1.243 km² de floresta desmatada, um aumento de 43% em relação a 2020, de acordo com o Sistema de Alerta de Desmatamento do Imazon.

Via Amazônia Real

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