Relatório revela ação anti-indígena e climática durante gestão Bolsonaro

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A mineração no chamado Morro do Ouro, liderada pela empresa canadense Kinross Gold Corporation, representa a principal atividade industrial para a geração de emprego e renda na região (José Cruz/Agência Brasil)

O Observatório da Mineração e o monitor socioambiental Sinal de Fumaça lançam, nesta segunda-feira (27) o relatório Dinamite pura: como a política mineral do governo Bolsonaro armou uma bomba climática e anti-indígena, traçando uma linha do tempo do setor mineral durante a gestão anterior.

O estudo detalha ainda a situação de órgãos regulatórios, violações de direitos, acordos e outras medidas adotadas pelo ex-governo, que poderiam beneficiar o mercado de minérios no país e no mundo. A publicação resulta do trabalho das duas instituições que atuam no monitoramento da pauta mineral e da crise socioambiental brasileira. 

A mineração no chamado Morro do Ouro – Foto: José Cruz/Agência Brasil

“Nos últimos quatro anos, a cobertura dos veículos de comunicação apresentou as faces de um governo autoritário e ineficaz. Nossa análise, porém, mostra que a gestão Bolsonaro foi muito eficiente em facilitar o acesso a terras e minérios. A ‘boiada’ também passou no setor mineral, ligada ao enfraquecimento do licenciamento socioambiental e ao descontrole no uso da terra, provocando a tragédia humanitária em curso nos territórios indígenas”, declara Rebeca Lerer, coordenadora do Sinal de Fumaça.

A partir da cobertura feita pelo Observatório, o Dinamite Pura rememora fatos que ajudam a explicar como o país chegou a situações gravíssimas de influência corporativa, degradação ambiental e violações de direitos, e pontua como essa bomba climática e antiambiental não pode ser colocada somente na conta de Jair Bolsonaro.

Ainda de acordo com o relatório, o ex-presidente engrossou e deu escala a medidas iniciadas na gestão de Michel Temer (MDB) – 2016 a 2018 – e as metas de aumento da participação do setor mineral no Produto Interno Bruto (PIB) dos atuais 3% para até 10%, como foi o objetivo expresso de Bolsonaro e Arthur Lira (PP) em articulação com parlamentares e órgãos da administração federal. 

“O primeiro escalão do governo Bolsonaro estendeu um tapete vermelho para o lobby mineral em Brasília desde o início da gestão. As consequências para as populações atingidas direta e indiretamente e para o meio ambiente foram trágicas”, explica Maurício Angelo, diretor do Observatório da Mineração e pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília.

Observatório da Mineração acompanhou as articulações adotadas pelo governo Bolsonaro no âmbito nacional e internacional. O Dinamite Pura revela ainda que a cúpula bolsonarista promoveu mudanças legais e infralegais que beneficiaram grandes mineradoras, fizeram “explodir as redes criminosas do garimpo ilegal e colocaram instituições como o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Mineração totalmente subservientes a interesses escusos, como investigações mostraram”.

Destaques da Linha do Tempo

2019

O ano de 2019 foi o pontapé inicial para as principais movimentações do governo no setor mineral: a tragédia em Brumadinho (MG) sem punições práticas aos envolvidos no crime; o convite à exploração e a atividades minerais em terras indígenas e zonas de fronteira no maior e mais importante do mercado de mineração no mundo, o Prospectors & Developers Association of Canada (PDAC); o anúncio da meta de ampliação da mineração de urânio no país, passando por cima da Constituição Federal; a criação da Frente Parlamentar Mista da Mineração (FPM) no Congresso; o grupo de trabalho lançado pelo governo para acelerar a tramitação e liberação de outorgas e concessões para mineradoras e ainda a instituição de uma força-tarefa para formalizar grupos de garimpo de ouro no estado do Pará, são os destaques do ano trazidos pela publicação. 

2020

A principal medida do ano de 2020 foi o envio do projeto de lei 191/2020, promessa de campanha de Bolsonaro, para liberar a mineração e exploração agrícola em terras indígenas, ignorando a Constituição Federal e desrespeitando os direitos territoriais das populações indígenas. Chamado de “PL da morte” por lideranças indígenas, o projeto de lei segue parado no Congresso.

Também foi destaque no ano a proposta de guilhotina regulatória, um mecanismo criado pela Agência Nacional de Mineração com a consultoria da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para cortar, desobstruir e avançar com a legislação em benefício do setor mineral e das grandes mineradoras. Reuniões com garimpeiros e parlamentares que pressionam pela atividade na Amazônia, a portaria assinada pelo governo definindo a mineração como atividade essencial em meio à pandemia de Covid 19 e mais o lançamento do Programa Mineração e Desenvolvimento estão presentes no boletim. 

2021

O período foi marcado pelo forte lobby de empresários do garimpo, que nunca estiveram tão próximos das autoridades federais, até participando da agenda do ex-vice-presidente Hamilton Mourão. Com a criação de uma política de minerais estratégicos, o governo de Bolsonaro recebeu dezenas de projetos de empresas como Vale, Sul Americana de Metais, Potássio do Brasil, Belo Sun e outras, sem o envolvimento ou a avaliação de qualquer conselho ambiental ou do próprio Ministério do Meio Ambiente.

O ano teve ainda a aprovação do PL 3729, pela Câmara dos Deputados, que enfraquece a política de licenciamento ambiental, abrindo caminho para outros desastres como o de Brumadinho. 

2022

A costura política para seguir apoiando grandes empresas e a exploração do patrimônio nacional, principalmente em território indígena, manteve o fôlego no Congresso em 2022, mesmo com o racha do grupo de deputados federais que prometeu entregar o texto do Novo Código de Mineração, encomendado por Arthur Lira e pelo ex-presidente Bolsonaro.

Já no início do ano, o relatório destaca a aprovação de subsídios no valor de 3,3 bilhões de reais pelo governo para o financiamento de termelétricas que funcionam a carvão; a aprovação de dois decretos que favorecem o garimpo; o uso da guerra na Ucrânia como joguete político para a aprovação do PL 191/2020.

Além disso, houve também a agenda de Bolsonaro com Elon Musk em um suposto trato para que Musk monitorasse a Amazônia, mas tendo como pano de fundo o interesse do empresário na exploração massiva de minerais críticos para o investimento no setor de veículos elétricos; e a abertura dada por Bolsonaro ao mercado de lítio no país, mexendo com a geopolítica da América Latina e favorecendo diretamente grandes multinacionais como a Tesla, de Elon Musk.

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Os resultados das práticas governamentais ficaram explícitos no aumento do garimpo ilegal em terras indígenas em 632% de 2010 a 2021, de acordo com o Mapbiomas. 

Um dos principais escândalos divulgados no período pré-eleitoral foi o apoio financeiro dado à reeleição de Bolsonaro por donos de mineradoras denunciados por homicídio pelo rompimento da barragem de rejeitos de Itabirito (MG) em 2014. Os donos da Herculano Mineração doaram, em conjunto, 750 mil reais à campanha de Jair Bolsonaro. 

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