Por: Jéssica Silva de Oliveira
Advogada Civilista
No último dia 11 foi comemorado o Dia do Advogado, assim instituído por conta da criação das primeiras faculdades de Direito no Brasil, em 1827. Nesta mesma data, veio à tona uma sentença absurda, proferida por uma magistrada do Tribunal de Justiça do Paraná, onde um homem negro foi considerado criminoso “em razão da sua raça”.
Enquanto mulher negra e advogada, militante no campo do Direito Antidiscriminatório, fiquei refletindo sobre como o Direito pode ser utilizado como ferramenta para a reprodução das relações de poder, na forma como foram constituídas.
Em participação ao Festival Latinidades 2014, ao analisar a representatividade da população negra nos espaços de poder, no Brasil, Angela Davis foi cirúrgica ao afirmar que “às vezes não é preciso ser especialista para perceber que alguma coisa está errada em um país cuja maioria é negra e a representação é majoritariamente branca”. Impossível não relacionar essa fala da Angela à imagem amplamente divulgada dos desembargadores que compõem o Tribunal de Justiça de São Paulo: majoritariamente composto por homens brancos, assim como ocorre nos
demais Tribunais no país.
Considerando que um dos princípios norteadores do exercício da magistratura é a imparcialidade. Como podemos ter um sistema judicial imparcial, quando a instituição é majoritariamente composta por pessoas originárias de um mesmo grupo racial, que goza de vantagens sociais justamente em razão da sua raça?
O que se nota é a vida de pessoas negras sendo pautada pela régua de um grupo racial dominante que, através de decisões racistas, como a proferida pela magistrada do Paraná, reforçam estigmas culturais ao rememorar teorias absurdas, como a Teoria do Criminoso Nato, de Cesare Lombroso, que, em linhas gerais, relacionava determinadas características físicas e
psicológicas à propensão de alguns indivíduos à criminalidade (e divinhem qual era a cor desses indivíduos?).
A manutenção dessa suposta imparcialidade do Poder Judiciário, por via de seus magistrados, majoritariamente, forjados em um contexto social que dispensa tratamento discriminatório para aqueles que carregam consigo um histórico de exclusão, tem servido tão somente para normatizar as relações de poder estruturantes da nossa sociedade ao longo dos tempos.
Em consequência disso, o tratamento discriminatório destinado às minorias raciais, além de perpetuar estigmas sociais, acarreta danos psicológicos às vítimas de racismo, em razão do seu impacto imediato e cumulativo, afetando, ainda, diretamente a honra pessoal e a percepção que esse indivíduo tem de si, o que configura uma gravíssima violação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Desta maneira, de modo a transformar esse cenário de condescendência com práticas racistas, a representatividade da população negra no Poder Judiciário se faz urgente ou corremos o risco de reviver um período onde teorias eugenistas são normatizadas justamente através da instituição que, em tese, tem o dever de desempenhar um papel contra majoritário, com vistas a assegurar os direitos das minorias.
Enquanto essa transformação não ocorre, em razão da minha raça, fica difícil comemorar o Dia do Advogado, quando eu também posso ser alvo desse sistema que, sob o pretexto da imparcialidade, reproduz a lógica racista que molda a nossa sociedade.