Djamila X Andreza e a necessidade de nos auto organizarmos enquanto povo preto

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Por Mariana Reis
Doutoranda em Educação, professora do Instituto Benjamin Constant, feminista negra e socialista

Não! Este texto não é sobre tretas interativas de rede social  nem tampouco se desdobrará na tentativa de defender uma narrativa mais racional de um dos lados com relação a esta polêmica entre Djamila Ribeiro e Andreza Delgado.É sobre mulheres negras ativistas  e referências em seus espaços de atuação que tiveram suas imagens públicas  devassadas a partir de desentendimentos ideológicos na internet.

O fato ocorre no dia 13 de abril após a militante Andreza Delgado discordar do posicionamento político  de Djamila Ribeiro em sua conta no Twitter. A  filósofa Djamila ao concordar com a condenação do humorista Danilo Gentilli, dispara seu posicionamento em contraposição  ao  argumento de ativistas anti punitivistas que criticaram a decisão judicial: “Quero saber se quem defende Gentilli do manto do anti punitivismo, faz o mesmo com relação a população negra. Essa defesa me soa mais como corporativismo, legitimação do que Cida Bento denominou como pacto narcísico da branquitude”. A mesma também teceu comentários afirmando que apenas homens brancos ricos discordaram da condenação de Gentilli, insinuando que a pauta anti punitivista possuía um caráter elitista.

Dias depois, após este comentário de Djamila, militantes negras twittaram criticando o posicionamento da mesma . Num destes tweet, Andreza Delgado escreveu:” Oxi, todos os dias. Djamila Ribeiro soltou um texto desrespeitando a discussão posta por nós mulheres anti cárcere, chamou de coisa de branco.”

Após o ocorrido,Djamila envia notificação extrajudicial  a Andreza pedindo que ela apague o comentário da sua conta em até 72 horas. Andreza não apaga e nesta semana a mesma vem às rede sociais anunciar que havia recebido uma notificação extra judicial de Djamila, podendo assim supostamente se desdobrar num processo judicial. Usando a sua conta de Facebook, Djamila declara que mulheres negras de pele clara tem sido as principais protagonistas de ataques a ela na rede e que por ter a pele retinta, Andreza negra de pele clara a atacou de maneira racista.

Djamila é filósofa feminista, mestre em Filosofia Política  e um dos nomes mais conhecidos com relação ao ativismo negro brasileiro. Possui uma rede no Instagram com mais de 400 mil seguidores e se tornou a principal interlocutora de abertura às pesquisas com temáticas relativas ao racismo estrutural e negritude,  proporcionando visibilidade a autores como: Juliana Borges, Silvio Almeida, Joice Berth, Carla Akotirene e Adilson Moreira. Em 2016, foi nomeada secretária-adjunta de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo. Andreza Delgado de origem periférica, é uma das criadoras do movimento PerifaCon( evento cultural e de quadrinhos nas periferias em São Paulo), uma das maiores representantes na discussão sobre políticas anti cárcere e anti punitivismo em São Paulo e no Brasil.  Foi também uma liderança marcante no processo de construção das ocupações de escola de São Paulo em 2015.Em suma, duas mulheres que se reivindicam feministas negras e reconhecidas como referências para inúmeras outras mulheres pretas de diversas vertentes ideológicas.

O que este fato se desdobra nas mudanças da nossa luta anti racista?

Vivemos uma era cibernética efervescente nas redes sociais que organiza parte dos movimentos  políticos desde  o divisor de águas das Jornadas de Junho de 2013. Novas configurações de ativismos políticos foram apresentadas neste novo espaço ao longo destes 6 anos. Com este crescimento do acesso de militantes políticos na rede  aliado ao surgimento do fenômeno “ midiativismo”, debates como “Feminismo” e “Luta Anti racista” foram  sendo fomentados, culminando nos assuntos mais acessados pelos internautas atualmente. Neste  mesmo momento, ocorre a expressiva produção e divulgação de conteúdos formativos destes assuntos  pelos chamados “ influenciadores digitais”. Estes personagens incorporam também a ideia da representatividade em espaços de redes sociais anteriormente vinculados  a grupos hegemônicos da sociedade: homens brancos, cis,  e ricos ou mulheres que correspondem  aos esteriótipos da branquitude midiática.

Após o despontar avassalador  de influenciadores digitais negros nas redes sociais, uma série de questões  de suma relevância foram levantadas nos debates cotidianos seja pelos conhecidos “ textões” , vídeos em páginas individuais dos influenciadores  ou canais de Youtube. A chamada geração “ tombamento” protagonizada por jovens pretos ( alguns de orientação sexual LGBT) exibiu uma estética de contestação aos padrões estéticos brancos através de cabelos, maquiagens e roupas coloridas de moda africana ou de caráter transgressor. Este movimento possibilitou também a auto afirmação da negritude em adolescentes que tinham sua auto estima apagada pelos processos de socialização e escolarização  racistas.   Deste modo, esta nova geração ressignificou também seus espaços no mundo real conhecidos muitas vezes como “ quilombos”, através da música, estética e política. Neste mesmo movimento,  destacaram se intelectuais negros/ negras e formuladores/formuladoras de opinião nas redes, debatendo questões de suma seriedade tais como: genocídio  e encarceramento da população negra, crescimento do feminicídio na população das mulheres pretas, cotas raciais na universidade, aumento de índices de desemprego, depressão e suicídio e população de rua preta.

As formulações políticas na internet inicialmente ampliaram o debate junto a sociedade , possibilitando acesso às pessoas brancas que desconheciam nossos principais problemas  de origem estrutural e racista.  Um dos maiores exemplos da propagação positiva destas produções foi  a  adesão ao feminismo negro , movimento que cresceu de maneira significativa não só com relação ao seu número de adeptas nas suas bases como no aumento das produções acadêmicas sobre o assunto.

Porém, iniciou-se ao mesmo tempo com esse fenômeno, uma  fogueira de “ egos”  individuais junto a estes personagens influenciadores digitais. Pela visibilidade midiática em curto tempo e reconhecimento social em espaços de prestígio, essas figuras públicas incorporaram comportamentos que fugiam/fogem a lógica do debate democrático em espaços de militância real. A partir destas tensões e discordâncias no plano da internet entre as pessoas, iniciou-se a batalha dos prints, escrachos virtuais  e desqualificações de relações íntimas e imagens públicas. E por fim às vias de fato das discordâncias, a judicialização das atitudes políticas caso uma das partes apenas discorde do outro posicionamento.

Neste sentido, a divulgação de debates cibernéticos como “Estética preta”, “ empoderamento”, “ lugar de fala” foram elementos fundamentais para a abertura do diálogo inicial maior com a sociedade. Mas somente isso não nos possibilita a emancipação, pelo contrário, nos engessa enquanto sujeitos políticos na luta contra o racismo estrutural e o capital. Por isso, precisamos nos formar academicamente, construir militância concreta nas bases e estar presente no cotidiano da luta política.

Movimentos negros clássicos que tentam hoje convocar suas bases sociais para reuniões, multirões em favela e periferias  ou trabalhos de formação reclamam da falta de adesão presencial das pessoas  comparando à décadas passadas em que as redes sociais não agregavam essa força . A militância mais antiga reivindica maior estudo e formação das novas gerações, reconhecendo que a maioria do nosso povo não tem direito “ a lacrar” na internet pois antes tem que garantir sua sobrevivência diária, desviando das estatísticas cotidianas.

Angela Davis, liderança do movimento Panteras Negras ao se manter no cárcere em nome da resistência anti racista , além  ser considerada  figura símbolo da luta anti punitivista,  jamais poderia imaginar que a autora(Djamila) do prefácio do seu livro “ Mulher, Raça e Classe” publicado no Brasil poderia  notificar uma militante negra periférica anti proibicionista por discordância ideológica na rede. Além disso, Djamila potencializa munição para o projeto de dominação da branquitude junto às nossas pautas ao acusar Andressa de se utilizar do privilégio do “colorismo” para ter atitudes que interpreta como racista  e não apenas dissonantes politicamente. A auto declaração entre nosso grupo populacional que já atinge o crescimente 32%  em 7 anos segundo IBGE é resultado de intensas lutas históricas e debates visibilizados pela sociedade atual.  Portanto,se valer deste argumento num momento de tensionamento de idéias  se configura numa grande cilada política.

As duas mulheres pretas em questão, Djamila e Andreza, reivindicam em suas lutas,  a vertente do Feminismo Negro,  movimento responsável historicamente por agregar em  sua luta, as diversas pautas intersecionais e especificidades de outros grupos de mulheres( indígenas,deficientes, refugiadas). Que possamos aprender de fato com  este  princípio da inclusão da diferença no plano do debate das idéias também.

O histórico  discurso “ Não sou eu uma mulher?” de Sourjoune Truth, mulher escrava e abolicionista  nos Estados Unidos nos inspira cada vez mais nos unirmos enquanto mulheres negras frente a opressão racista e dominação sexista. Só através do acumulo de maturidade política e valorização de espaços de debates políticos presenciais é que enfrentaremos nossas diferenças e seguiremos firmes na luta. 

2 Replies to “Djamila X Andreza e a necessidade de nos auto organizarmos enquanto povo preto”

  1. wxc wxc disse:

    Na verdade rola muita inveja, infelizmente de mulheres negras também, em relação a Djamila e as suas conquistas. Pessoas que gostam de fazer média com a branquitude para ganhar seguidores em redes socias.

  2. Carolina de Carvalho Camargo disse:

    Não é por nada não, mas Andreza participou – e foi uma das principais cabeças – de uma ocupação no SAS COSEAS (a assistência social da USP) e uma das principais pautas dessa ocupação era a EXPULSÃO de nótórios agressores que foram denunciados mil vezes e não saem do CRUSP – conjunto residencial da USP – mas se declara antipunitivista? Eu creio que o antipunitivismo deve girar em torno de: jovens negros presos por envolvimento com drogas, e condenados por tráfico – 80% das pessoas cumprindo pena, ou mais dependendo do lugar – lotando cadeias e penitenciárias por algo que já deveria ter sido liberado faz tempo. E não de deixar de punir pedófilos, abusadores, misóginos e racistas como um todo. E quem conhece a Andreza sabe que ela desagrega muito as vezes, entra num personagem da mulher jovem negra LGBT. Participa de movimentos e ações diretas como se tivesse todos os lugares de fala do mundo, procura impor muitas das suas visões. Eu não me declararia antipunutivista com essa ênfase se exijo sanções e punições para opressões que me atingem. Cabe a ela parar de ficar panfletando posições que ela considera anarco-libertárias (vertente na qual ela assumidamente se encaixa) sem reduzir a discussão a esses panfletos,

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