Confinamentos forçados são relatados por trabalhadoras domésticas, segundo Federação da categoria

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Desde o início da pandemia, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (FENATRAD) tem registrado diversos relatos de trabalhadoras domésticas em confinamentos forçados e descumprimento de acordos e contratos trabalhistas em todo o Brasil. A formalização de denúncias, contudo, ainda é um desafio para os sindicatos, como observa a presidente da FENATRAD, Luiza Batista. “Os empregadores não respeitam o horário de trabalho, não permitem que a trabalhadora vá e volte para a própria casa e, ao mesmo tempo, eles não querem que as trabalhadoras permaneçam em casa e querem que elas fiquem por tempo indeterminado no ambiente de trabalho”, destaca.

A presidente explica que, quando procuram os sindicatos e a federação, as trabalhadoras ainda têm receio de formalizar essas denúncias. “Não querem dar o nome e não conseguimos levar a denúncia adiante”, revela ao atribuir a questão ao medo do serem demitidas. A classe das trabalhadoras domésticas foi uma das mais afetadas pelo desemprego pela pandemia e, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,5 milhão de trabalhadores domésticos perderam o emprego em 2020.  “Aquelas que tem a carteira assinada tem a possibilidade de rescisão contratual, as que não tem carteira assinada ficaram mais vulneráveis, ou aceita a imposição do empregador ou está demitida”, relata ainda Batista.

Luiza Batista- Presidente Fenatrad Foto: Divulgação

A presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do município do Rio de Janeiro, Maria Izabel Monteiro, lembra que o acesso a direitos pelas trabalhadoras domésticas demoraram a ser reconhecidos. “Em 1947 quando foi criada a CLT, as leis trabalhistas, as trabalhadoras domésticas foram uma das categorias que ficaram fora do direito trabalhista. A trabalhadora doméstica só veio a ter os primeiros direitos em 1972, anos depois, mesmo assim os direitos eram diferenciados. A trabalhadora doméstica só tinha direito a carteira assinada e a 20 dias de férias”, lembra Monteiro que ressalta que só em 2015, com a Lei Complementar 150, esses direitos foram legalmente garantidos.

A ausência de direitos e os desrespeito àqueles estabelecidos se deve, na opinião da presidente do sindicato, ao fato de “a mentalidade escravocrata sobre o trabalho doméstico no Brasil é ainda muito presente”. Como exemplo, Monteiro conta que a partir da definição da prefeitura municipal do Rio de Janeiro em determinar a antecipação dos feriados para estabelecimento do Lockdown, nesse mês de Abril, a demanda por informações no telefone do sindicato dos trabalhadores domésticos do município do Rio de Janeiro se intensificou tanto com empregadores querendo saber se deveriam dispensar seus trabalhadores domésticos quanto de profissionais sobre o direito ao feriado. “Por alguns empregadores, as trabalhadoras domésticas iriam trabalhar nesse período. E, quando nós orientamos que se as trabalhadoras domésticas fossem trabalhar nesse período de Lockdown, os empregadores teriam que pagar os dias e horas de trabalho em hora extra, eles não aceitavam”, contou Monteiro.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de janeiro – Foto: Natali de Jesus

“Algumas trabalhadoras domésticas ficaram em cárcere privado, ficaram um período sem poder retornar a suas casas para poder favorecer os empregadores, como se as trabalhadoras domésticas não tivessem sua própria casa, sua própria vida, que elas precisam sobreviver além do trabalho, que elas também têm vida própria”, concluiu Monteiro. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em 2019, revelam que entre os profissionais que atuam com trabalho doméstico 92% , o que correspondia a 5,7 milhões em 2018, eram mulheres e 68,5% dessas eram mulheres negras.

Mirtes Renata e Cleonice dos Santos

Batista e Monteiro citaram na entrevista dois casos que foram amplamente noticiados durante a pandemia, ambos de trabalhadoras domésticas negras: o primeiro óbito registrado no estado do Rio de Janeiro, Cleonice dos Santos, 63 anos, uma idosa que foi contaminada pelos empregadores e o caso de Mirtes Renata que perdeu o filho Miguel, de seis anos, que estava sob os cuidados da empregadora Sari Corte Real.

Sobre Cleonice, a presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do município do Rio de Janeiro, observa que “assim que eles souberam que estavam contaminados, eles deveriam ter avisado a dona Cleonice para não ir trabalhar, mas não, mantiveram a trabalhadora e essa foi contaminada e foi a óbito. Ela é o caso que ficamos sabendo, e os outros que não chegam a nós. Que haja uma fiscalização do trabalho doméstico”, pede Monteiro.

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Batista também ressalta que as trabalhadoras domésticas precisam transitar para ir ao trabalho, mas não são as responsáveis por disseminar o vírus. “A primeira morte no Rio de Janeiro foi de quem? Uma trabalhadora doméstica. O que isso significa. Fomos nós que trouxemos o vírus? Não! Foram as pessoas que estavam em países onde já estava acontecendo o surto, a COVID, que vieram infectadas e infectaram pessoas. E agora observamos aí mais de  350 mil pessoas falecidas, mas de 350 mil famílias enlutadas, chorando em um governo sem compromisso. Sem um projeto de enfrentamento eficaz ao que está acontecendo”, conclui a presidente do FENATRAD.

Confinamentos forçados e a série de quadrinhos Confinadas

A Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou como método para impedir a propagação do Coronavírus o isolamento social. A artista Triscilla Oliveira criou junto ao quadrinista Leandro Assis a série Confinadas que relata o dia-dia de trabalhadoras domésticas e suas empregadoras durante a pandemia. “Nós vimos famosas, blogueiras, celebridades, confinadas dentro de suas casas, de suas bolhas, de seu conforto, com as empregadas confinadas junto com elas”, conta Oliveira ao explicar de onde veio a inspiração do quadrinho que já tem milhares de curtidas nas redes sociais.

Arte cedida para publicação. Confinadas. Crédito: Escrita por Leandro Assis  e Triscila Oliveira. Ilustrada por Leandro Assis

A artista conta que ela e a mãe já trabalharam como doméstica e que algumas primas mais novas ainda estão sendo domésticas, enfrentando a pandemia. Ela relata ao lembrar que esse ciclo de mulheres negras trabalharem em algum momento como domésticas é comum em várias famílias e ainda ressalta: “é um ciclo muito difícil de se dobrar porque não há oportunidade principalmente quando estamos falando de mulheres pretas, a gente tem as maiores cargas de trabalho, as cargas mais extensas pelos menores salários”, afirma.

Oliveira ainda observa que a relação racial está muito atrelada a colocação no mercado das mulheres negras no Brasil. “Existe uma demanda, a gente continua na pobreza, a gente é um dos maiores índices de pobreza, de miséria. É necessário que essa demanda permaneça, para que continuemos com essa disponibilidade de servir. O racismo é um sistema perfeito”, afirma. Os quadrinhos chegaram em muitos lugares que a artista não esperava inicialmente, ela conta que ouviu tanto relatos de empregadores que repensaram as atitudes quanto de trabalhadoras que se conscientizaram de que podem buscar por seus direitos. “Mulheres que estão começando a reconhecer que aquilo que elas passam não é normal, que aquele sofrimento, aquela humilhação, aquilo não deveria ser normalizado”, finaliza a artista.

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