O comediante Trevor Noah ganhou destaque no Brasil recentemente quando um vídeo seu comentando a repercussão de uma observação sua sobre a vitória da França na Copa do Mundo de 2018 (sim, tivemos isto neste ano louco) viralizou. Nele, o humorista trata de uma nota oficial enviada a ele pela embaixada daquele país repudiando-o por ter dito que se tratava de um triunfo africano, dado o número de descendentes de imigrantes no elenco. Mordaz, aponta: “Aí, as pessoas dizem: ‘eles não são africanos, são franceses!’ E eu penso: ‘por que não podem ser ambos?'”
Escolhido há cerca de três anos para substituir o consagrado Jon Stewart no comando do aclamado The Daily Show, um dos mais tradicionais talk shows dos Estados Unidos (criado em 1996, conquistou 12 Emmys como melhor programa do gênero), enfrentou o desafio de manter a relevância do programa com um perfil diferente do antecessor (branco, meia-idade e integrante do status quo do humor norte-americano desde os anos 1980; apresentou duas vezes a cerimônia do Oscar). Venceu.
A marca registrada de Trevor Noah é a comédia stand-up e voltou a ela com o especial “Son of Patricia” (“Filho de Patricia”), lançado em novembro na Netflix. Nascido na África do Sul no período do Apartheid e diretamente afetado por ele por ser fruto de uma relação proibida (negra sul-africana e branco suiço), tem a sua negritude como um assunto recorrente no palco e o racismo um dos temas mais abordados. Aqui, ele mostra seu talento para a sutileza e para as analogias surpreendentes.
O mote do espetáculo é a forma como sua mãe, de origem xhosa, o ensinou a enfrentar o preconceito. Motiva-o, ainda, a presidência estúpida de Donald Trump. A partir de um episódio peculiar do período escravista estadunidense, ele aborda diversas nuances relativas a questão. Não por acaso, as reações da plateia, majoritariamente branca, são em geral mornas. Há um natural descompasso quando se apresenta uma tirada como: “Fico nervoso com brancos e então penso: ‘não, existem os bons. Calma.'”
Trevor nos leva de forma serena, mas contundente até a mensagem de resistência / sobrevivência, não sem antes divagar sobre tacos e as desconexões lógicas dos discursos de ódio. E, ao chegar ao “balanço do amor de Jesus”, compreendemos que não se tratar apenas de reagir, porque é difícil e não há regras sobre como devemos nos comportar em momentos assim. A certeza é: não dar ao agressor a satisfação de nos ferir – o que não quer dizer que não machuca. Contudo, no confronto, realizarmos a desconstrução do mal. “Snake!”
É “curioso” que a formação de comediantes negros críticos seja tão embrionária no Brasil, dado o material existente para causar barulho. Artistas Tia Má (Maíra Azevedo), Yuri Marçal, Paulo Vieira, Gui Preto, o eterno casseta Helio de La Peña e a reunião de alguns destes e outros humoristas no Coisa de Preto são alguns dos atuais linhas de frente nesta disputa de narrativa que frequentemente nos apresenta diversos exemplos de como a batalha contra o racismo é também uma questão de piada.
P.s.: a construção sobre Trap Music é simplesmente espetacular!