

A construção da identidade negra é um processo contínuo e atravessa diversos registros da experiência humana – nas relações consigo mesmo, com as outras pessoas e com as instituições. A nuance mais observada no dia a dia é possivelmente a aparência e nela o assunto cabelo ganha destaque.
Inicialmente, a imposição do visual alisado para meninas e do raspado para meninos sob a alegação do visual natural ser ruim é a primeira barreira a ser rompida. Quando é aberta a janela dos penteados negros, a referência ganha espaço em um cenário eurocentrado e, até então, pouco fustigado devido a restrição de meios de vocalização.
O que isso significa? Apenas relembrem os casos recentes de racismo (no Brasil, popularmente noticiadas como “polêmicas”) envolvendo fotos para documentos oficiais. A régua da normatização, criada por outros, não tem espaço para nossas expressões, por mais cotidianamente simplórias que sejam: um penteado.
Focando nas comunidades negras, é curioso observar que são dois tipos de reações as mais comuns ao se deparar com alguém adotando um cabelo afro – mais fortemente o “black power”, visto que as tranças, em suas variáveis, popularizaram-se entre influenciadores (como artistas e intelectuais).
Em um primeiro caso, há entre os mais velhos uma nostalgia a referência, lembrando do movimento de mesmo nome, da moda dos anos 70 e de ícones como “The Jackson 5”. É notável um misto de satisfação com a memória e lamento pelos caminhos que os obrigaram a se padronizar, uma “necessidade” de sobrevivência.
Já entre os mais novos, ainda tateando referenciais, há um questionamento que mostra o quão violento é o peso do racismo estrutural: “Em que você trabalha”? São dois alçapões: como conseguir um emprego com este visual e como seu patrão te deixa exercer uma profissão sem mudá-lo. Ou seja, há lugares (muitos) inalcançáveis se você não abrir mão de você.
É presente a discussão sobre a substância do empoderamento étnico calcado na realização estética, porém desconsiderar o fato de vivermos numa sociedade imagética é ignorar que nossos corpos provocam repulsa ao status quo preconceituoso que move o capitalismo sob o qual resistimos.
O reconhecimento da importância de de permitir aos jovens, desde muito, a liberdade de identificarem sua pele nas diferentes formas que seus cabelos podem adotar é lhes dar o entendimento que o controle sobre quem são é deles, não de uma cartilha de comercial de margarina
Ah, e não – você não pode tocar no meu cabelo.

1 Comment
Isabel
(27/04/2020 - 16:07)Que texto bem forte. Eu me incomodo muito com essas posturas de brancos generosos. Será que garantem direito trabalhista para as trabalhadoras domésticas que estão em suas casas?