“É tempo de falarmos sobre nós mesmos.” Beatriz Nascimento
A memória sobre mestres, intelectuais, heróis, ativistas, cientistas e demais personalidades importantes para o povo negro foi negada a essa população, a exemplo disso, é que só em janeiro de 2003 que foi criada a lei 10.639, hoje 11.635, que estabelece a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e colocou no calendário escolar o dia 20 de novembro como dia nacional da consciência negra.
Já em novembro de 2011, com a lei 12.519, foi instituído o dia nacional da consciência negra em homenagem a morte do líder negro Zumbi dos Palmares. Após essa instituição, seis estados brasileiros aprovaram leis que determinam o feriado de 20 de novembro em todos os seus municípios: Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Maranhão. Em Sergipe, apesar de uma população de 79,7% autodeclarada negra segundo o IBGE, o dia da consciência negra não é feriado em nenhuma cidade.
É necessário mostrar a história da população negra, além do dia 20 de novembro, para falar em Maria Beatriz Nascimento, historiadora, professora, poeta, intelectual e ativista Sergipana, cujo o nome não está em nenhum órgão público de Sergipe, nenhuma biblioteca, avenida e/ou rua. Somente por força dos movimentos negros e sociais que há dois anos no bairro Japãozinho, em Aracaju, há uma ocupação do MTST nomeada Beatriz Nascimento e há um ano e meio o Coletivo de Estudantes Negros da Universidade Federal de Sergipe tem o nome historiadora.
Beatriz do Nascimento nasceu em Aracaju, Sergipe, em 12 de julho de 1942, filha da dona de casa Rubina Pereira Nascimento e do pedreiro Francisco Xavier Nascimento, a oitava de dez irmãos. Foi uma retirante que se mudou em 1950 com sua família para Cordovil, Rio de Janeiro.
Lá ela se formou em História em 1971 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi professora na rede pública de ensino do estado e Pós-Graduada em História pela Universidade Federal do Fluminense, em 1981 com a pesquisa “Sistemas alternativos organizados pelos negros: dos quilombos às favelas”, mas seu trabalho mais conhecido foi o filme Ori (1989, 131 mim).
Bethânia Nascimento, filha da Beatriz Nascimento, fala sobre a a importância da memória da Beatriz: “Minha mãe se preocupou muito com a escola, com o educar do povo preto. Ela mesmo fala que procurava Zumbi nos livros e não encontrava, só aquela história de escravos(…) Quando a gente sabe da onde a gente vem, sabe para onde vai. A identidade é algo muito importante para nós, como nossa história é contada e precisa ser recontada. Meu sonho é que Beatriz não chegue só nas universidades, mas no jardim de infância.”
Os artigos da historiadora foram publicados em periódicos como Revista de Cultura Vozes, Estudos Afro-Asiáticos e Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, além de inúmeros artigos e entrevistas a jornais e revistas de grande circulação nacional, a exemplo do suplemento Folhetim da Folha de S. Paulo, Isto é, jornal Maioria Falante, Última Hora e a revista Manchete.
Hoje a junção dos seus artigos e poesias estão no livro “Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida da Beatriz Nascimento” por Alex Ratts e no livro “Beatriz Nascimento: intelectual e quilombola. Possibilidade nos dias de destruição” lançado pela União dos Coletivos Pan- Africanistas de São Paulo (UCPA).
Os pesquisadores e co-fundadores do Coletivo Beatriz Nascimento, falam um pouco sobre a importância do estudo da historiadora:
“Para mim Beatriz é uma grande influência como ser humano e profissional, depois que conheci Beatriz Nascimento através do filme ‘Orí’, então comecei a repensar a história e repensar o meu fazer enquanto historiador, como corpo preto pesquisador e também a relação com a pesquisa, a questão da representatividade, de me ver na pesquisa, então acho que Beatriz Nascimento ajuda muito e merece ser mais representada mais reconhecida, principalmente no nosso estado.”- Hiago Feitosa, estudante de história na UFS, pesquisador da história de Beatriz Nascimento.
“Primeiramente o que mais me chamou atenção foi o fato de Beatriz Nascimento ter nascido em Aracaju em Sergipe, de cara isso fez com que eu me identificasse com ela rapidamente(…)Em um dos seus textos Beatriz Nascimento vai falar de sua dor ao não ver Zumbi, mas eu vi Zumbi, por causa da luta dela e de muitos outros. E eu vi Beatriz Nascimento, e o meu sentimento é de gratidão, porque ao ver estes dois, pude enfim me ver refletida.” Maria Conceição, estudante de história, pesquisadora sobre a história de Beatriz Nascimento.
Durante o mestrado em comunicação social, na UFRJ, sob orientação de Muniz Sodré, Beatriz foi assassinada ao defender a vizinha de seu companheiro violento. Faleceu em 28 de janeiro de 1995, aos 52 anos.
Coisa bonita, forte e enriquecedora, esta providência de se revelar nomes de negros e negras geniais, que o sistema teima em esconder, por racismo disfarçado.
Se faz importante qualquer iniciativa que traga o povo preto para o campo do visível. Essa luta é contínua e imprescindível.