O Brasil está em chamas, mas quem se importa?

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Por Marco Rocha*

O Brasil está em chamas e isto é uma fatalidade que não pode ser atribuída ao acaso. Há método, intenção e propósito e, infelizmente, os resultados são catastróficos. Antes de aprofundarmos sobre o desastre ambiental provocado pelo fogo, é importante entender que a intensidade dos incêndios está relacionada a regiões onde o avanço das fronteiras agrícolas é óbvio. O Mato Grasso é o maior representando do agronegócio brasileiro e é, também, o campeão em focos de incêndio. Assim como Pará, Goiás, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo, que juntos, representam
mais de 70% da produção agrícola do país.

Os maiores produtores da agropecuária do Brasil, também são os estados que apresentam as maiores taxas de desmatamento, sobretudo a partir das queimadas que atingem frontalmente os biomas floresta amazônica, pantanal e o cerrado que perdeu de 1985 a 2021, de acordo com o MapBiomas, 20% de sua área, com a diminuição da cobertura vegetal que caiu de 67% para 53%. Lembrando que o cerrado é o 2º maior bioma brasileiro e o terceiro em diversidade de espécies. Ainda na região centro-oeste, o pantanal, que é o menor bioma em extensão, mas é a maior planície alagada do planeta e com uma imensa biodiversidade que, no último mês, apresentou mais de 900 focos de incêndios que devastaram uma área equivalente ao estado de Alagoas. Um detalhe chama a atenção: o pantanal deve desaparecer nos próximos 75 anos, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

O Brasil apresenta mais de 5 mil focos de incêndio em 11/09/2024 /Foto: Nilmar Lage/Greenpeace

Para formar essa tempestade perfeita, os efeitos da crise climática formam um ingrediente importante nesse cenário de devastação. De acordo com dados do INPE, nos anos de 2023 e 2024, o Brasil atravessa períodos de seca maiores que do que o esperado. O aquecimento desigual dos oceanos e das áreas continentais tem uma relação direta com a mudança das dinâmicas de vento ao redor do mundo, o que contribui para o estabelecimento de longos períodos de estiagem, volumes de chuvas desproporcionais
e aumento significativo da temperatura em diferentes áreas do país. Basta analisarmos o que estamos vivenciando nas diferentes regiões do Brasil como a catástrofe provocada pelas chuvas no RS, as elevadas temperaturas em inúmeras cidades nas regiões sudeste, centro-oeste e norte, além da escassez de chuva que provoca uma queda violenta da umidade relativa do ar que, em algumas cidades como São Paulo, alcançou os níveis do deserto do Atacama, o mais seco do mundo, em torno de 7%. A combinação desses
fatores levou a maior cidade do país a registrar a pior qualidade do ar em todo o planeta.

Diante de tamanha tragédia, uma pergunta se impõe: O que o poder público, (municípios, estados e união) está fazendo para remediar os efeitos provocados pelo fogo? Com a exceção do trabalho dos brigadistas e voluntários do ICMBio e das secretarias do meio ambiente, pouco se vê. E isso também pode ser explicado. A Câmara Federal é formada por um total de 513 deputados. Deste número, 290 deputados formam a bancada ruralista ou bancada do boi. Já no Senado Federal, 50 dos 81 senadores fazem parte da bancada que defende os interesses do agronegócio.

O que significa, 56,5% dos deputados federais e 61,7% dos senadores legislam em causa própria, uma vez que vários deles são grandes proprietários de terra ou representam latifundiários nas suas bases eleitorais. São representantes do povo legislando em causa própria, de mãos dadas com o agro, mineradoras e garimpos ilegais e de costas para o meio ambiente. Esses dados podem nos ajudar a compreender parte da apatia conveniente por parte do poder legislativo brasileiro diante de uma emergência climática e de saúde pública provocada pelas queimadas criminosas que se espalham
pelo país na velocidade do fogo.

Diante de tudo isso que vivenciamos, sigo repetindo a minha percepção sobre a responsabilidade acerca da questão climática brasileira: A conivência da classe política brasileira é o propulsor das tragédias ambientais decorrentes de um combo de irresponsabilidades que agregam, além da crise climática, a negligência na fiscalização ambiental e a omissão de todas as esferas de poder. Estamos diante de uma tragédia ambiental recorrente neste país, a diferença é que em 2024, o cheiro da fumaça alcançou as narinas dos poderosos da política em Brasília e dos poderosos endinheirados de São Paulo. A nós resta esperar se isso será o suficiente para que, diante de fatos inegáveis sobre a destruição do maior patrimônio da biodiversidade mundial, que espalha fumaça por mais de 60% do território brasileiro, será capaz de sensibilizar os cínicos burocratas que podem, de fato, reverter essa tragédia que parece não ter fim.

*Marco Rocha é biólogo, professor, palestrante, comunicador e pesquisador com mestrado em Biologia celular (Fiocruz), Doutorado em Biotecnologia Vegetal (UFRJ e University of Ottawa/Canadá), com Pós-doutorado em Plantas medicinais com atividade antiviral (Fiocruz), com dezenas de artigos e capítulos de livros publicados em literatura científica. Professor universitário a mais de vinte anos, atuando nos cursos da área de saúde das universidades públicas (UFF e UFRJ) e nas principais universidades privadas do Rio de Janeiro. Marco Rocha também é ator, escritor, comunicador e administra as mídias sociais @aquipensando01 onde promove divulgação científica, reflexões sobre o cotidiano, discussões sobre etarismo e ativismo antirracista. Autor dos livros @aquipensando01 – coleção instapoetas e co-autor do livro Pretagonismos.

Marco Rocha

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Marco Rocha é biólogo, professor, palestrante, comunicador e pesquisador com mestrado em Biologia celular (Fiocruz), Doutorado em Biotecnologia Vegetal (UFRJ e University of Ottawa/Canadá), com Pós-doutorado em Plantas medicinais com atividade antiviral (Fiocruz), com dezenas de artigos e capítulos de livros publicados em literatura científica. Professor universitário a mais de vinte anos, atuando nos cursos da área de saúde das universidades públicas (UFF e UFRJ) e nas principais universidades privadas do Rio de Janeiro. Marco Rocha também é ator, escritor, comunicador e administra as mídias sociais @aquipensando01 onde promove divulgação científica, reflexões sobre o cotidiano, discussões sobre etarismo e ativismo antirracista. Autor dos livros @aquipensando01 – coleção instapoetas e co-autor do livro Pretagonismos

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