Brasil tem alto índice de pessoas com transtornos mentais na educação, afirma especialista

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Diante dos casos de racismo que ocorrem nas escolas, veio à tona a importância da assistência psicológica na educação para os professores e também para os alunos. A Lei 13.935/2019 tem o objetivo de atender as necessidades e prioridades definidas pelas políticas de educação, por meio de equipes multiprofissionais.

Segundo um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP), o Brasil é um dos países com maiores índices de transtornos mentais no mundo. O país liderava em casos de ansiedade e depressão, em uma lista contendo outros 11 países, incluindo Estados Unidos e China.

Brasil lidera ranking de população com transtorno de ansiedade e depressão – Foto: Alex Green/Pexels

O educador antirracista e idealizador do coletivo Pais Pretos Presentes, Humberto Baltar, falou ao Notícia Preta sobre a importância da saúde mental para os professores pretos e educação antirracista. Humberto destacou a forma como aborda a saúde mental e emocional com seus alunos.

Segundo ele, utiliza a disciplina “Temas Transversais”, onde trabalha cinco pilares que são: educação pluriversal, educação decolonial, letramento emocional, letramento racial e letramento ancestral. Sobre o questionamento em relação ao déficit nas instituições, até pelo fato da ocorrência dos casos de violência racial contra os professores, Humberto apresenta seu ponto de vista

“O déficit é total. A escola não fala sobre emoções. Na verdade, a escola naturaliza a realidade que a gente tem hoje. Como é que o homem hoje regula as emoções? Pela violência e pelo sexo, não tem outra forma. Lá na adolescência, começa o interesse pelos esportes, exercícios e tal. Mas quando chega nessa fase, já está tudo ‘desregulado'”, afirma Baltar que continua.

Então, não adianta praticar esporte que libera endorfina, que traz uma sensação de felicidade ao cérebro, se a pessoa está com a noção de definição corporal, performance física, toda voltada pra violência, agressividade, imposição sobre a mulher, inclusive, imposição sexual e violenta”.

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De acordo com Baltar, a escola ainda é totalmente colonial, o modelo de ensino é pressuposto em que você ter que ser o melhor, ser vencedor, ter o melhor emprego, se casar e se aposentar, tudo é voltado para o eu, sem o olhar social e sem se preocupar com o papel do individuo na sociedade.

“É uma educação ‘uni-versal’ e esse é todo o erro, deveria ser uma educação pluri-versal, que olha várias culturas, várias leituras do mundo, vários olhares sobre Deus, religião, paternidade, maternidade, família, infância. Mas não, só se passa uma versão que é a branca, cristã, europeia, cis gênero, que a gente já conhece e ai é um desastre total porque não se sabe dialogar, nem conviver com a diversidade”, pontua.

Sobre os casos de racismo que acontecem nas escolas, o educador afirma que “essa tragédia só acontece por causa de racismo. Já veio a notícia que houve um ataque racista desse menino antes, a professora foi defender ele não gostou e no dia seguinte foi lá esfaquear a professora. Por que tem que ter ataque racial? Porque não se fala sobre a pluriversalidade desde cedo na escola, não se apresenta as várias culturas com sentido de apreciação?”, questionou.

Humberto Baltar é educador e fundador do coletivo Pais Pretos Presentes – Foto: Arquivo Pessoal

Humberto também frisou que as pessoas negras sempre são apresentadas como se fossem inferiores às pessoas brancas, inclusive no ambiente escolar.

“Você apresenta como se o outro fosse menor, uma África onde os pretos ficam sentado em volta de fogueira usando tanga, correndo com lança atrás de bicho, quer dizer, uma África totalmente fetichizada, ridicularizada”, lamenta.

Não se fala sobre a produção cultural, sobre a produção filosófica, produção ancestral de África. Então toda ideia que a gente tem, é de uma ‘África mítica’ e daí vem toda essa leitura de que o preto é menor, que o preto é inferior, que o preto é burro, que o preto é atrasado, e as pessoas acham que tem base pra fazer esses ataques racistas, base inclusive escolar, e ai é todo o problema”, acrescenta o educador.

Citando o ministro dos Direitos Humanos e jurista, Silvio Almeida, o Baltar continua. “A escola é um braço do racismo estrutural. É uma fábrica de racistas e de pretos que se odeiam. Nós precisamos falar sobre isso nas salas de aula. Me surpreende que só agora [em 2023], eu consigo ter uma turma para falar sobre temas que saem dessas disciplinas clássicas”.

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Ainda falando sobre o impacto que isso pode causar, o educador finalizou acrescentando que “os professores estão perdidos, despreparados, essa coisa está escalando, só essa semana, só ontem teve dois ataques em lugares diferentes do Brasil, teve outro nos Estados Unidos”.

O Brasil já tá com uma escalada, já fizeram uma comparação com o ano de 2022 e a gente percebe que já tem uma PG né, uma progressão geométrica nos números, a coisa é alarmante, assustadora e eu temo porque sou um pai atípico né, imagine meu filho que tá no espectro, como é que ele vai se defender disso, um menino preto, neuro divergente, nessa realidade que odeia corpos pretos, então é uma pauta urgente”, finaliza.

Orientação familiar

Aline Oliveira é psicopedagoga e possui um trabalho de orientação parental, estimulação de memória para melhor idade, supervisão psicopedagógica, realização de palestras e workshops também falou ao Noticia Preta seu ponto de vista sobre os acontecimentos.

Segundo ela, a saúde mental tem grande importância para a sociedade como um todo e precisa de um olhar mais atencioso para o que o outro sente. Ainda de acordo com a psicopedagoga, é preciso focar nas psicoemocionais.

Nós temos as questões dos professores, que passam por situações bem difíceis dentro da sua profissão, da sua jornada de trabalho, e foi até instituído Janeiro Branco né, porque é o período que normalmente professores estão de férias, é aonde é falado com os professores e colocado pra eles como precisam se cuidar, como precisam ter esse lazer, como precisam olhar para dentro de si, olhar pra sua família, olhar para os seus planejamentos de vida”, afirma

A psicopedagoga fala também sobre uma pesquisa, realizada entre 2020/2021, com a Nova Escola, que ouviu quase 1000 professores, e 72% deles apresentaram a saúde mental afetada.

“Existem algumas questões que podem afetar a vida de um professor, porém o professor e a professora pretos, dentro das escolas, têm um ponto a mais, um agravante a mais. Eles já vem com uma vivência, com uma trajetória de racismo e de diminuição da sua capacidade enquanto profissional”, define.

“Ele chega na instituição escolar e não é visto, muitas vezes, como os demais professores brancos, por mais que ele tenha outras qualificações, mais qualificações até do que os professores brancos“, sentencia.

Aline pontua ainda que a forma como os professores pretos se sentem inferiorizados é perceptível na maioria dos ambientes escolares.

“A escola é um lugar onde, infelizmente, o racismo começa, ali na infância, na vida das crianças. Elas já começam a olhar para os seus professores, se eles forem negros, com um olhar diferenciado e isso traz para esse profissional, para esse professor, um complexo de inferioridade muito grande“.

Aline Oliveira é Psicopedagoga e possui um trabalho de orientação parental – Foto: Arquivo pessoal

Outro fator abordado por Aline foi o fato de que muitas vezes os pais dos alunos, principalmente se forem em escolas com um poder aquisitivo maior, olham para o profissional preto e não os enxergam como um mestre, como um profissional qualificado por conta da sua cor, o que colabora com quadros de depressão, onde tudo isso, já soma com a função do ser professor, mas, principalmente, o ser professor preto em uma sociedade totalmente preconceituosa.

“O professor enquanto profissional tem riscos e possibilidades de desenvolver várias síndromes, como a Síndrome de Burnout, aquela que o professor tem um esgotamento profundo das suas atividades elaborais e o professor preto e preta já tem esse agravante, porque já vai com uma carga da baixa autoestima, do preconceito, da visão que as pessoas tem da baixa qualificação, que por ele ser preto, agrava ainda mais a saúde mental desse professor preto, dessa professora preta”, analisa.

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A psicopedagoga finaliza dizendo que “há uma necessidade de olhar para esse professor com um olhar diferenciado, apresentando apoio, porque é aquilo que sempre tem pedido com os seus olhares, é aquilo que ele tem pedido principalmente se for de uma instituição com o nível financeiro muito alto. Então, é muito importante cuidar da saúde mental desse professor preto e dessa professora preta”, conclui.

Thayná Braulino

Thayná Braulino

Meu nome é Thayná Braulino e atualmente eu resido na cidade de Lins, interior de São Paulo, mas sou natural de Santo André - SP e tenho 26 anos. Sou formada em Arquitetura e Urbanismo, Pós graduada em Arquitetura e Patrimônio e Capacitação em Cultura e Sociedade. Gemeniana da cabeça aos pés, apaixonada por artes, história, cultura, pautas sociais e raciais e por escrever.

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