Prazer, Preto Gourmet: é angu e não polenta!

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Olá, leitoras e leitores do Notícia Preta, sou o Preto Gourmet. Como novo colunista do jornal, acho importante fazer uma breve apresentação de quem eu sou. De Viçosa (MG), moro no Rio de Janeiro há 18 anos e me reconheci como homem preto há apenas 4 – e não tenho vergonha disso porque foi um processo de autoconhecimento em uma sociedade racista.

Nesse processo de autoconhecimento como professor de Administração na Gastronomia, resolvi comprar a briga do meu povo – que agora também é a minha luta. Por isso, criei o Prêmio Gastronomia Preta.

Este texto, que apresento o meu argumento sobre a relevância de usarmos o termo angu, é muito relevante para mim enquanto colunista porque foi um processo de reflexão que não recorreu a nenhuma literatura ou texto previamente lido. Ele veio do afeto – do meu retorno à minha terra natal e de conversas comigo mesmo. 

Foto: Nossas Raízes Bistrô (Niterói-RJ)

Minha ida a Viçosa (MG) nas últimas semanas me trouxe um turbilhão de sentimentos relacionados à Gastronomia – sempre foi assim porque é sobre comida afetiva; é sobre o doce de leite Viçosa, o torresmo, o frango a passarinho, o hambúrguer do Quero Mais e o pastel de angu da dona Violeta (in memoriam). Viçosa me remete a esses sabores e cheiros que só sinto lá. E foi lá que aprendi a comer angu de diferentes formas – mas nenhuma delas se compara à junção do frango com quiabo do Tio Luizinho.

Para mim sempre foi angu. Quando se mistura fubá na água e leva ao fogo o resultado é angu – e nada me fez mudar isso nos últimos anos (mesmo quando não entendia o que estava por trás do apagamento do termo angu em detrimento de polenta).

Um dia em Lavras (MG), quando comecei minha graduação na UFLA, falei que iria comer angu e alguém me corrigiu: “Você quer polenta, né!?”. Aceitei pensando que fosse uma questão regional já que eles insistiam em dizer que não era biscoito e sim bolacha (para mim continua sendo biscoito). Aceitava quando me falavam que era polenta.

Existe uma diferença técnica importante que vai para além do regionalismo: angu é feito com uma farinha de milho mais fina enquanto polenta tem uma granulometria mais grossa. Dada essa diferença técnica, há a diferença cultural: polenta tem forte influência italiana e o angu surgiu na África e faz parte da culinária da diáspora no Brasil.

Como o angu foi trazido da África e utilizado pelo povo escravizado no Brasil, o seu apagamento como preparação culinária está associada possivelmente ao racismo estrutural no nosso país. O angu alimentou muitos dos nossos ancestrais porque era uma comida que ajudava a matar a fome e encher o estômago.

Mas, numa gastronomia eurocêntrica, polenta tem “influência internacional” e talvez seja mais chique apresentar esse termo e não o termo angu. Mas, apenas lembrando, os países africanos também são internacionais. Logo, o angu seria tão internacional quanto a polenta…

Nas visitas que fiz a restaurantes africanos ou afro-brasileiros o angu é uma preparação frequente. No evento Mesa SP em Novembro, da Revista Prazeres da Mesa, eu e o chef João Diamante discutimos como que a gastronomia africana ou de diáspora é apagada das formações profissionais em cursos técnicos, profissionais ou bacharelados em Gastronomia no Brasil.

Existem as culinárias Asiática, Mediterrânea, das Américas, Francesa e Italiana – e eu nunca vi uma matriz curricular na Gastronomia em que a Culinária Africana seja disciplina obrigatória. Já ouvi relatos de disciplinas optativas teóricas – nunca disciplinas práticas ou obrigatórias.

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Neste contexto de necessidade de rupturas com uma gastronomia eurocêntrica, reivindico que é angu e não polenta; que devemos nos posicionar todas as vezes que quiserem nos vender angu como polenta. Angu é ancestralidade; é sabor que está a séculos na boca de um povo que lutou para sobreviver; e, que por isso, merece ser exaltado assim como o seu povo.

Não importa se você é paulista, mineiro, fluminense, nordestino, sulista, nortista ou do Centro-Oeste – façamos coro à relevância do angu na nossa formação enquanto sociedade. É angu e não polenta.

Preto Gourmet

Preto Gourmet

Empreendedor Social, criador do Prêmio Gastronomia Preta, criador do conceito Economia Pretagonista, professor de Administração no curso de Gastronomia na UFRJ, doutor em Administração (Eaesp-FGV), autor de 11 livros, pesquisador (com dezenas de artigos científicos) e homem preto que cria rupturas numa gastronomia eurocentrada. É jurado do Edital Entra na Roda da cantora Iza e curador do Camarote Folia Tropical (2023) em Gastronomia e Inclusão Social.

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