A proposta de trazer a discussão sobre o colorismo para o Portal Notícia Preta surgiu após um dos assuntos da semana passada ter sido a desistência da atriz Taís Araujo para interpretar a cientista Joana D’Arc Félix de Souza nas telonas por conta do tom de pele não ser o mesmo. Nas redes sociais, vi muita gente falando que a atriz estava “discriminando a si mesma” ao desistir do papel. E, por esse motivo, preparamos este artigo para ‘escurecer’ algumas questões sobre o assunto.
O colorismo ou pigmentocracia, consiste na discriminação pela cor da pele. É uma situação muito comum em países que sofreram a colonização europeia e em países pós-escravocratas. O colorismo parte do pressuposto de que quanto mais pigmentada uma pessoa é, mais exclusão e discriminação essa pessoa irá sofrer.
Um dos questionamentos que surge quando tratamos de colorismo é o seguinte: por que ter a pele mais clara traz privilégios para a pessoa afrodescendente, mesmo com ela não sendo identificada como branca? A resposta para este questionamento pode ser dada desta maneira: uma pessoa negra ou afrodescendente menos retinta, isto é, consideravelmente menos pigmentada é aceita em locais majoritariamente brancos por ser mais “agradável” aos olhos da branquitude. Para vocês perceberem o quanto essa relação da branquitude com a pessoa negra de pele clara é complexa ressaltamos o que fora dito acima afirmando que, os traços brancos conseguem ignorar os traços negros – isto é, cabelos, tom de pele, nariz e boca – a ponto de, imaginá-las como pessoas brancas.
Além disso, de acordo com o texto publicado na Geledés – Instituto da Mulher Negra, em nossa sociedade a tolerância do sujeito é construída através do mimetismo – uma espécie de “camuflagem”. A exemplo desse mimetismo, dessa “necessidade” de se encaixar em espaços ocupados pela branquitude nasceram, por exemplo, os alisamentos capilares cujo um dos objetivos é o de se tornar menos perceptível a branquitude os traços da negritude. Se adequar ao “padrão de cor” imposto pela sociedade.
Na Netflix há um filme chamado Felicidade Por Um Fio (2018) em que, um dos temas abordados ainda que indiretamente, é o colorismo. Para vocês compreenderem melhor, irei lhes apresentar um resumo do filme. Quem ainda não assistiu, cabe salientar que, o conteúdo a seguir contém spoilers!
No filme, Sanaa Lathan interpreta Violet Johnson, uma jovem negra publicitária bem sucedida que namora Clint (Ricky Whittle) há dois anos, e tem um cabelo longo perfeito e liso, apesar do esforço necessário para mantê-lo. Depois de se decepcionar ao não ser pedida em casamento, ela termina o relacionamento com Clint. O mesmo diz a ela que ele realmente não a conhece porque ela é perfeita demais. Depois que ela perde uma conta importante no trabalho e tem um contratempo em um salão de beleza, ela começa a perceber que seu cabelo tem sido um símbolo de sua vida que ela não está realmente querendo. Depois que um tecido e uma tintura loira dão errado, ela raspa a cabeça. Inicialmente horrorizada com o que ela fez, ela cresce em confiança em seu novo visual. Ela começa a namorar o dono do salão (cabeleireiro), Will (Lyriq Bent), e faz amizade com sua jovem filha, Zoe (Daria Johns). Depois que Violet perde uma proposta para uma campanha publicitária usando mulheres reais para uma ideia padrão de um colega usando modelos loiras, ela deixa o emprego. No entanto, ela ainda se esforça para ser ela mesma completamente, particularmente ao apresentar Will a sua mãe (Lynn Whitfield). Violet e Clint se reconciliam e ele propõe casamento, mas em sua festa de noivado, ele pediu a ela para arrumar o cabelo, ela percebe que ainda está tentando ser quem ele quer, em vez de quem ela quer. Eles se separam e ela se reúne com Will, lançando uma campanha publicitária para seus produtos de cuidados com o cabelo que procuram incentivar as mulheres a verem e aceitarem os seus cabelos naturais.
O filme chama atenção para essas questões do colorismo, do próprio racismo e discriminação que existe entre os próprios negros e, mostra como é essencial se aceitar. O quanto isso faz bem para nós mesmos. A questão do racismo/discriminação entre os próprios negros é salientada logo no início do filme e é mostrada no thriller, mas também mostra o lado da sociedade machista, onde as mulheres precisam estar se esforçando o tempo todo para estarem perfeitas, e que também é desconstruído no decorrer do filme.
Para finalizar a discussão sobre o colorismo, saliento o seguinte, a presença de pessoas negras que, possuem traços físicos mais aceitos pela branquitude nesses espaços majoritariamente brancos, ajuda a camuflar ainda mais o racismo vigente em nossa sociedade, ajudando a reforçar o mito da democracia racial.
As vezes penso se é banal pautar esse assunto junto aos movimentos. E eu acho que é sim! Tem coisa mais importante a ser pautada!! Sim, eu sei …Mas queria ter alguem com quem cv sobre isso, que as vezes é realmente angustiante pra mim. E assim, tenho uma parte da minha família branca, pelo fato de minha avó ter falecido e meu avô, negro, ter se casado de novo, com uma paulista branca. Assim, meu pai é preto (e reproduz muito um discurso racista), e outra parte dos meus tios são brancos! Por estes e outros fatores eu e minha irmã sempre formos diferentes, e hoje eu tenho mta consciência de ser inclusive consideranda diferente por essa “nova avô”, que é paulista, sendo boa parte de sua família de lá realmente fascista e racista. Vejo isso percebendo que eu e minha irmã éramos colocadas pra fazer faxina quando estávamos lá, e eu subia no banquinho pra lavar a louça, sendo que hj vejo a infância das minhas mtprimas, e é mt diferente!Fora que minha avó de mãe, é minha grande expiração na vida, a maior influência pra q eu seja qm eu sou hj! Mulher, negra, pobre, mãe de 5 filhos, minha segunda mãe. Nunca me considerei branca, nem fui considerada por boa parte da minha família. Mas sim negra! E atualmente, me inserindo mais nessas discussões, vejo que as pessoas brancas de fato me consideram negra, mas as negras por vezes me consideram branca! A ponto de já ouvir coisas como “ah, mas se vc se sente negra tudo bem, mas vc nao é” … gente, eu nunca quis ser, não é questão de querer ser! E é muito desagradável isso, me sinto insegura, me sinto sem lugar, sem identidade. Sinto um medo real das pessoas dizerem que é ridículo eu sofrer por isso, pq os negros da pele mais escura sofrem mt mais. Eu não nego isso de jeito nenhum. Não estou comparando nada com nada! É só um desabafo …
Olá, Gabriela, tudo bem? Então, sinta-se muito a vontade de vir aqui sempre pra conversar conosco. Então, recentemente conversei com uma amiga que vivencia uma situação bem semelhante a sua. E pelo choro dela ao contar, eu vi o quão dureza é. Então, é realmente muito duro passar por isso, mesmo após o difícil processo de autoaceitação. É duro ouvir dos nossos palavras que desmerecem a tua luta. Essxs não sabem das tuas vivências e é isso que dói. O colorismo existe e você é ciente. As negras de pele retinta e traços mais puxados à ascendência africana sofrem diferentes formas de preconceitos. Mas, repito: você é ciente disso e não menospreza o fato em momento algum. Estava ali para nos representar. É importante que as pessoas entendam que o colorismo não se trata de uma disputa pra saber quais são as opressões mais profundas, mas sim para se entender de que forma o racismo está presente nas nossas vidas, nas relações e como isso se constrói historicamente. Empatia é necessário. A discussão também é necessária para conscientizar todos os lados. Todos precisam entender isso. Seu desabafo é muito verdadeiro e espero que esse meu comentário seja visto da mesma maneira. Obrigado pela participação. Um abraço forte e vamos a luta!