“Não quero ser o único, quero ser um em meio a milhares de negros”, diz karateca e primeiro repórter esportivo negro da Globo Rio Diego Moraes, que busca vaga nas Olimpíadas de 2020

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Diego Moraes, repórter da Globo Rio e Karateca da Seleção Brasileira

”A caminhada é difícil, representar mais ainda. A paciência pra engolir o preconceito para depois lutar contra ele também é importante. Escolher o momento certo de atacar e representar. Isso é o que eu tento fazer e busco fazer. Nem sempre acerto, mas arrisco, porque não quero ser o único representando, quero ser apenas um representante em meio a milhares de negros”. Foram com essas palavras que o repórter esportivo e Karateca da Seleção Brasileira, Diego Moraes, encerrou a sua entrevista para o Portal Notícia Preta.

Buscando vaga nas Olimpíadas de 2020, Diego Moraes tem diariamente a dura missão de unir a rotina jornalista com os treinos. Não é fácil. Nunca foi. Faixa preta no karatê, derrubou as estatísticas dos jovens negros no país e, preste a completar 31 anos, conseguiu se formar em jornalismo e atualmente faz parte do grupo de funcionários da TV Globo. Chegou na empresa há 10 anos, em 2009, na ocasião era estagiário. Nos dois anos seguintes virou produtor e editor de texto e em 2013 tornou-se o primeiro repórter esportivo negro da Globo no Rio de Janeiro. Hoje, é o único na função que exerce.

Confira a entrevista do Portal Notícia Preta com Diego Moraes.

Notícia Preta: Diego, o que é ser negro nas duas profissões que você exerce?

Diego Morais: No jornalismo, trabalho em um dos principais veículos de imprensa do Brasil. No Karatê, faço parte da Seleção Brasileira e participo cada vez mais de competições que fazem parte do circuito mundial,porque tenho como objetivo a Olimpíada de Tóquio 2020. Nos dois ambientes, encontramos poucos negros. Na minha função de repórter esportivo na Globo Rio, só tem eu no meu trabalho e quando luto fora do país, principalmente na Europa, vejo que também somos minoria em competições de alto rendimento de Karatê. Olhar pro lado e ter pouquíssimas referências dá um sentimento de briga a solo pelo espaço. E hoje, com experiência em viagens, percebo que não é uma questão apenas brasileira, mas no mundo somos poucos em lugares de destaque. Em alguns momentos te dá a sensação do “será que consigo, tantos tentaram e não tiveram sucesso e por que eu tenho que acreditar?” E ao mesmo tempo “sim eu posso e quando tiver outro, nós poderemos. Assim por diante”. No jornalismo existe o preconceito de uma forma parecida com o que existe no esporte. Ou seja, a desconfiança em relação à capacidade do negro de ser uma mente criativa ou de comando. Vemos poucos chefes, como vemos poucos técnicos e dirigentes.

NP: Lendo sobre a sua história, ouvi um relato seu que gostaria que você explicasse melhor: assim que você virou repórter de TV, você não tinha espaço como o repórter principal? Como isso acontecia? Como você enxergava isso? Existe aquele lance de ter que ser duas vezes melhor por conta do tom de pele?

DM: Um conceito baseado no que geralmente as pessoas estavam acostumadas a ver. O negro na posição de repórter de TV não é comum e muito menos no setor esportivo. Então, por mais que eu estivesse de camisa social ou pólo, quem liberava o acesso à cobertura dos jogos de dentro de campo demorou a perceber que eu era o repórter da equipe. Eu era o operador, o cinegrafista, mas o repórter não. Todas as 3 funções tem o seu valor,mas a única em que não se via negro, era na de repórter. E se existe o lance de ter que ser melhor pra ter a mesma chance que o outro está tendo…Eu já ouvi de um chefe “você tem que ter paciência e você sabe o porquê.Tem que ser melhor do que fulano para ter a mesma chance que ele está tendo”

NP: Diego, você passou 11 anos afastado do Karatê, o que esses anos longe dos tatames significam hoje? Como surgiu a decisão de voltar? E, agora, quais as expectativas?

DM: Foram 11 anos que ajudaram muito a construir a minha personalidade e o meu posicionamento em relação à alguns assuntos. A decisão de voltar surgiu dois, três meses antes do anúncio do Karatê nas Olimpíadas de 2020. Era um sonho como atleta antes da minha pausa e depois virou um sonho participar da cobertura como jornalista. Quando surgiu a oportunidade de retornar, procurei todos os apoios e todas as pessoas que poderiam me ajudar para formar um staff e hoje, dois anos depois de retornar aos tatames, sou um dos atletas da Seleção Brasileira de Karatê, onde por categoria só tem duas vagas no Brasil. Além disso, luto competições do circuito mundial, que somam pontos pro ranking olímpico. São competições com em torno de 1000 atletas distribuídos em 12 categorias. A busca é pra acabar 2019 entre os melhores do mundo.

NP: Formado em jornalismo pela Puc-Rio, Diego relembrou o esforço da sua mãe para colocá-lo numa universidade particular e comentou a importância do sistema de cota nas universidades públicas:

DM: Eu me formei na Puc-Rio graças à minha mãe. Ela juntou R$60,00 por mês durante 10 anos. Eu tinha oito anos quando ela me deu esse presente e quando eu fiz 18, eu tinha dinheiro para apenas um semestre de faculdade. Não sou do Rio e também teria custos para morar em Niterói, na casa da minha tia. Teria que também pagar o deslocamento do Ri-Niterói-Rio e alimentação. Em resumo, a conta era justa e eu precisava conseguir a bolsa no semestre seguinte, caso contrário, não conseguiria acabar a faculdade. Consegui a bolsa no segundo semestre de faculdade pela média de nota e pela renda familiar. Não fui beneficiado pelo sistema de cota, mas é importante para fazer muitos de nós termos acesso à faculdade. É o mínimo para tentar compensar o que a história fez, mas não podemos aceitar de forma alguma que continuem achando que o problema é apenas na chegada do ensino superior. Quantos negros conseguem chegar a um ensino médio de qualidade ou ter uma alfabetização de qualidade? Temos que brigar pela melhoria da educação na base. É na base que se cria muita esperança de vida melhor. O negro que chega a ter a oportunidade de brigar pelo espaço dentro de uma faculdade sendo por cotas ou não, já ralou e superou bastante obstáculo. Eu diria que foi forte demais para aguentar o trajeto até ali. Mas eu e os que chegaram ao ensino superior, somos minoria porque a educação na base está abandonada. E se continuar assim, as cotas continuam tendo um papel importantíssimo como esperança e apoio pra quem chegou até à metade da caminhada. Poque a faculdade é a metade, a outra metade começa quando o negro se forma e entra no mercado de trabalho e passa a incomodar por isso.

NP: O Programa Esporte Espetacular da Rede Globo está exibindo, ao menos um sábado por mês, uma série chamada “Diego San”, que conta a sua rotina para chegar nas olimpiadas de 2020. Como você enxerga essa oportunidade de estar contando a sua história e, sobretudo, ser também um exemplo de representatividade para tantos jovens negros que sonham em ser atletas profissionais um dia?

DM: Pratico esporte desde os 6 anos. Morei em um casa bem humilde até mudar de cidade em busca do sonho do ensino superior na cidade grande Rio de Janeiro. Consegui fazer faculdade, ter um bom emprego voltei ao karatê depois de 11 anos, cheguei à Seleção Brasileira e apresento a minha história em rede nacional através da série Diego San. Parece até um conto de fadas, foi tudo moleza, foi tranquilo passar por cada fase, ganhei todas as oportunidades, tudo caiu no meu colo e só aproveitei. Olha, poderia ter sido assim. Talvez muita gente que me vê hoje, ache isso. Mas se você tem um sonho e não apenas de ser atleta profissional ou jornalista, se você tem um sonho vai ter que saber conviver com a desconfiança dos outros, vai ter que acreditar cada vez mais em você. Porque a cada passo conquistado, você será julgado. E as pessoas que se incomodam com o seu sucesso não vão aliviar com as palavras e atitude pra fazer você voltar pro lugar que elas queriam que você nunca tivesse saído. Não importa quantos “nãos” você receba, esteja pronto pra um “sim”, ele pode ser o primeiro passo do seu sonho. Vai cair, mas terá que se levantar e andar sozinho muitas vezes, outras vezes…Terá ajuda de alguns e valorize cada pessoa que te ajudou. Não se esqueça de quem esteve e está do seu lado. A caminhada é difícil, representar mais ainda. A paciência pra engolir o preconceito para depois lutar contra ele também é importante. Escolher o momento certo de atacar e representar. Isso é o que eu tento fazer e busco fazer. Nem sempre acerto, mas arrisco, porque não quero ser o único representando, quero ser apenas um representante em meio a milhares de negros.

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