“Mandaram procurar uma escola mais perto”: moradora da Maré (RJ) revela mensagem de colégio do filho após faltas por conta de tiroteio

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Nesta quinta-feira (09), o Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, amanheceu com mais uma operação policial. A 12ª apenas este ano. A professora Flavia Cândido acordou com um blindado, conhecido como “caveirão”, na porta de sua casa, e com um intenso tiroteio. Ela não pôde nem sair de sua residência, nem levar seu filho de 16 anos, que está cursando o ensino médio, para a escola.

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Foi então que, ao entrar em contato com o colégio, localizado em Madureira, também na zona norte da cidade, para avisar que seu filho não iria a aula por conta da operação, foi surpreendida por uma mensagem enviada por um funcionário. “Eu sempre tento ter uma relação com a escola, ainda mais por ser mãe de um adolescente negro, mas a mensagem que eu recebi hoje foi bem pesada, que foi de procurar um escola mais perto“, conta Flavia.

O caso aconteceu após mais uma operação policial no Compelxo da Maré, nesta quinta-feira (09) /Fotos: Ellan Lustosa – Seeduc-RJ

A moradora da Maré, que é formada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e professora de letramento racial favelado pelo Instituto Ayó, conta que essa escola foi a mais próxima de sua casa, a partir da plataforma “Matrícula Fácil”, do Governo do Estado, para o turno da manhã. “Nós só temos três escolas de ensino médio na Maré. Duas não possuíam vagas, e a outra só tem disponibilidade para o turno da noite. O número não bate, a quantidade de escolas, de vagas, e de alunos, e a qualidade também“.

Segundo dados do Instituto Fogo Cruzado, já foram registrados 21 casos de disparos de armas de fogo na Maré em 2024, sendo 16 deles em ações ou operações policiais, como a que aconteceu nesta quinta. Flavinha, que mora no Conjunto Esperança, afirma que lida com muitas operações policiais, pontuando que “a insegurança de quem sai antes do sol levantar” é constante durante as operações.

A mãe, que decidiu zelar pela segurança do filho, conta como se sentiu ao receber a mensagem do profissional que trabalha na CE Manacéia José de Andrade. “Eu gosto da escola, é bem organizada, mas isso que ocorreu é uma falta de empatia, de sensibilidade“, desabafa. A profissional também afirmou que as faltas do aluno só podem ser justificadas com um atestado médico.

Ela então questiona, qual o recado que essa atitude, deixa. “Se o garoto passa para uma FAETEC, um CEFET, para o Pedro II, não vai estudar nessas escolas pois estuda na Maré? O adolescente que mora na Maré, só pode estudar pela Maré? O Estado não pode respeitar o fato do próprio Estado impedir o acesso a educação, trabalho, saúde?“, pontua Flavinha, que continua:

Não era a resposta que eu queria, o acolhimento deveria ser outro. A gestão da escola que acaba sem todos os benefícios que precisa, acaba sem saber acolher uma mãe negra, de favela, que quer que os filhos tenham acesso à educação. É frustrante“, desabafa.

O Notícia Preta entrou em contato com a Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (Seeduc-RJ), questionando se a mensagem enviada pela CE Manacéia José de Andrade, faz parte de uma orientação da Seeduc-RJ, e também, o posicionamento da Secretaria com relação às faltas motivadas pela exposição a violência na cidade, como operações policiais.

Em nota, a Secretaria de Estado de Educação informa que o acompanhamento da frequência escolar é realizado para combater a infrequência e possível abandono, mas que vai apurar o caso. “A pasta informa que vai instaurar uma sindicância para apurar os fatos e todas as partes envolvidas no caso serão ouvidas“.

A secretaria também informou que a Diretoria Regional Metropolitana III, que atende a região da escola, está disponível para atendimento à família “visando equalizar as necessidades do estudante junto à disponibilidade de vagas a fim de viabilizar o devido acesso ao direito à educação“. Além disso, a Seeduc-RJ também pontuou que:

Nestes casos específicos, quando se torne inviável a realização de aulas nas unidades por qualquer motivo, os dias letivos são sempre repostos, a partir de planejamento pedagógico efetuado pela escola e validado pela Diretoria Regional Pedagógica de abrangência, de forma a mitigar os eventuais prejuízos pedagógicos dos alunos“.

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Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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