Formada em Moda e sommelier de cervejas, Íris Desirée traçou caminhos distintos de sua formação e assumiu o trabalho de camelô.
Concluir a academia foi uma barreira, já que apenas 4,6% dos filhos de pais sem estudos terminam o ensino superior, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Apesar de ter finalizado a graduação, Íris Desirée não conseguiu emprego no ramo da moda, então incentivada por uma amiga, fez um curso de sommelier de cervejas, o que resultou em oferta de trabalho na Zona Sul do Rio de Janeiro.
O trabalho continuava mesmo com grande carga horária e remuneração insuficiente, até que um Desirée foi vítima de assédio por parte de um cliente rico. Apesar de ter registrado ocorrência de assédio, a camelô foi processada pelo cliente e demitida. Desempregada, Desirée começou a distribuir currículos, mas durante o trajeto observou camelôs nos ônibus e, com os únicos sessenta reais, decidiu comprar balas para vender, em maio de 2018.
O trabalho exige matemática rápida, argumentação eficiente e carisma, já que a sobrevivência do ambulante depende do desempenho nas vendas: “Um senhor que é ambulante há quarenta anos disse que pra ser camelô, minha independência deve valer a metade do preço da bala”, contou Íris. A organização do trabalho foi aprendida de acordo com os erros e argumentar para vender, também: “Entendi como funciona o sistema de vez com os caras gritando pra eu respeitar a fila. O desespero de pagar conta era tão grande que eu queria vender até o final da minha saúde”.
A história entre Desirée e ônibus é antiga, pois sua mãe foi a primeira motorista negra do Rio de Janeiro. Vestida de macacão preto com frases militantes e bottoms com mensagens feministas, a camelô trabalha seis horas diárias, de segunda a sexta, em diferentes ônibus que circulam na Radial Oeste. Além de ser sua própria chefe, Desirée afirma que boicota o sistema machista e explorador: “Meu trabalho como camelô é enfrentando. Eu enfrento machista e ainda grito ‘Marielle presente’ ao descer do ônibus. Quando alguém diz que não vai comprar bala de feminista, eu aviso pra não comprar mesmo porque minha bala é feminista”.
Desirée conta que, por ter pele clara, muitos não acreditam em seu trabalho de camelô- já perguntaram se ela estava em uma imersão antropológica, por não ter “cara de ambulante”. O trabalho, além de marginalizado, é estereotipado, pois segundo a vendedora, homens- sobretudo negros- usam ganchos porque se entrarem com caixas, passageiros pensam que é assalto.
Não vendo minha força de trabalho pra sinhozinho herdeiro”
A vendedora afirma que trabalhar como ambulante implicou em um processo de auto-reconstrução, já que o pensamento de ter gasto dinheiro com estudos, e terminar vendendo bala, sempre vem à tona. Por outro lado, Desirée entende que seu trabalho não é demérito e confere uma autonomia que o trabalho tradicional não oferece “Aqui eu posso falar o que quiser e como eu quiser. Não vendo minha força de trabalho pra sinhozinho herdeiro”.
Mãe solo, Desirée ensina a seu filho de 12 anos que o trabalho tradicional não é a única maneira de sobreviver e, apesar de não receber benefícios consequentes da carteira assinada, Íris Desirée afirma ter se encontrado na profissão. Além de trabalhar como ambulante, Íris ministra aulas para mulheres que desejam trabalhar como camelô e, com isso, oferece ferramentas para que suas alunas alcancem a independência, já que para Desirée, em tempo de “menino veste azul e menina veste rosa”, feminista veste o que quiser.
que mulher incrível.