Falta preparo diante da crise climática, alerta Ninawa Huni Kui

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Por Amazônia Real – direito de reprodução concedido

Para uma das maiores lideranças indígenas do Acre, o cacique e ativista ambiental Ninawa Inu Huni Kui, a segunda grande cheia em oito anos demonstra que os governos federal, estadual e prefeituras estão despreparados diante da urgência climática. E as populações que ficam mais desassistidas são os indígenas e os ribeirinhos. 

“Como o Estado não está preparado para enfrentar esse tipo de situação [crise climática], que é urgente na Amazônia, principalmente os municípios que também não têm essas condições de atender a população do município, você imagina a zona rural e as comunidades indígenas? Essas populações ficam muito vulneráveis e também desassistidas do poder público. Às vezes até querem dar um apoio para socorrer, porém não tem uma infraestrutura suficiente”, disse o líder Ninawa Huni Kui.

Foto: Jovens da Comunidade Hené Bariá

Em entrevista à agência Amazônia Real, o cacique afirmou que, nos  últimos quatro anos, o Acre tem sofrido momentos pontuais atípicos como as enchentes e secas extremas, que têm afetado diretamente os  territórios  indígenas, além dos não-indígenas (ribeirinhos e a população urbana).

“São mudanças climáticas bruscas. Primeiro são famílias desabrigadas de suas casas e às vezes perdem as casas, quando voltam estão totalmente comprometidas. E as pessoas ficam sem moradia por um período”, relatou Ninawa Huni Kuin. 

A maior enchente no Estado aconteceu em 2015, quando o rio Acre transbordou ao atingir o nível de 18,40 metros. Em 2023, enfrentou a pior seca e o manancial desceu ao nível mínimo de 1,44 metro, revelando a face perversa da crise climática que é a desigualdade social de quem vive nas beiradas dos rios, o racismo ambiental.

O rio Acre mediu 17,89 metros na manhã desta quarta-feira (6).  Desde 25 de fevereiro, o governo estadual está sob o decreto de calamidade pública para atender as populações atingidas pelo evento extremo. 

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Segundo a Defesa Civil do Acre, que faz fronteira com a Bolívia e Peru, a enchente já atingiu cerca de 100 mil pessoas. Das 22 cidades, 19 estão em estado de emergência, sendo que 17 municípios têm o reconhecimento federal. Apenas três municípios não foram atingidos pela enchente até o momento: Bujari, Senador Guiomard e Acrelândia.

Insegurança alimentar

O cacique Ninawa Huni Kui vive na Aldeia Iskuyá, no território Hené Bariá, localizado no município de Feijó, banhado pelo rio Elvira. Lá, as águas transbordaram no dia 23 de fevereiro. Ele faz um alerta sobre a  falta de água potável e a contaminação das fontes hídricas, além do risco de doenças, como diarreia e leptospirose. 

”Essa é a primeira enchente com grande grau de destruição para  a população índigena. É uma situação de perigo e causa grande sufoco. Nós já vivemos num ambiente amazônico que a maioria da água potável está poluída. E com as enchentes isso só aumenta o comprometimento da água tratada dentro dessas comunidades. Também aumenta outros tipos de enfermidade de pele, de respiração por conta do do mau cheiro dos resíduos que são arrastados pelas enchentes, para dentro dessas comunidades”, disse Ninawa Huni Kui.

A população indígena afetada pela cheia é de 1.367 famílias, segundo o Distrito Sanitário Indígena (Dsei) Alto Rio Juruá, órgão ligado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. A inundação atingiu 88 aldeias, localizadas nas regiões dos Polos Base de Saúde: Jordão (com 698 famílias), próximo à fronteira do Peru; Tarauacá (23 famílias), Feijó (269 famílias); e Marechal Thaumaturgo (377  famílias).  

Em Rio Branco, segundo a Secretaria de Povos Indígenas do Estado (Sepi), 21 famílias indígenas estão abrigadas na Escola  Estadual  Leôncio de Carvalho. 

O Acre tem uma população de 830.018 habitantes, sendo 31.699 pessoas indígenas, de acordo com o  último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2023. A etnia Huni Kuin é a maior população indígena vivendo em cinco municípios: mais de 14 mil nos 12 territórios estão situadas 120 aldeias, margeadas por sete rios, localizados nos municípios de Marechal Thaumaturgo Jordão, Tarauacá, Feijó e Santa Rosa do Purus. 

“Uma guerra da  natureza”

Outra grande liderança do Acre, o cacique Ibã Huni Kuin disse à Amazônia Real, que após três dias de chuva intensa, recebeu informações de que a enchente havia afetado sua casa, que fica na aldeia Xiku Kurumim, localizada na Terra Indígena do Alto Rio Jordão, no município do Jordão. Na aldeia, vivem 30 famílias. Ibã, que no momento está em viagem ao exterior, soube que perdeu todos os pertences de sua casa pelo genro, Abraão Shane Huni Kuin, que  lhe enviou um vídeo relatando a situação. 

Com as águas invadindo as aldeias, os indígenas perderam os roçados de banana, macaxeira, entre outras produções, surgindo uma situação inédita que é a insegurança alimentar, afetando principalmente a saúde das crianças e dos idosos.  “Estamos muito sofridos, a natureza  nos atingiu. A enchente levou todos os materiais que conseguimos: geladeira, fogão botijão, roupa, panela. Escapamos só a saúde”, desabafou Ibã.

Os povos indígenas afetados pela enchente, de acordo com o levantamento da  Comissão Pró-Indígenas do Acre, são: Ashaninka (nos rios Amônia e Breu, em Marechal Thaumaturgo), Apolima Arara (no rio Amônia, também em Marechal Thaumaturgo), Huni Kuin (em Jordão, Humaitá e rio Breu, abrangendo Jordão e Marechal Thaumaturgo),  Manxineru (em Assis Brasil), Jaminawá (também em Assis Brasil), os Yawanawá (em Tarauacá) e Kuntanawa (em Marechal Thaumaturgo).

Foram identificadas ainda  as terras indígenas e aldeias diretamente afetadas, incluindo as Terras Indígenas (TIs) Kampa do Rio Amônia e Arara do Rio Amônia (em Marechal Thaumaturgo), as TIs Mamoadate e Cabeceira do Rio Acre (Assis Brasil), as TIs Kaxinawá do Rio Humaitá e Nova Olinda (Feijó), a TI Rio Gregório (em Tarauacá) e a TI Kaxinawá do Rio Jordão (Jordão).

O que dizem as autoridades

Agenda Ministerial no Acre, com Marina Silva e Waldez Góes e lideranças indígenas(Foto: Luan Martins/Sesacre).

Nesta semana, os ministros da Integração e do Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, e do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva, visitaram o abrigo Escola Estadual Leôncio de Carvalho, em Rio Branco, onde se solidarizaram com os povos indígenas que perderam suas casas devido à cheia dos rios acreanos. 

Na visita, Marina Silva reconheceu a vulnerabilidade dos indígenas, justamente um dos principais responsáveis pela preservação da natureza, como afirmaram os caciques Ninawa Huni Kuin e Ibã Huni Kui. “Os povos indígenas pagam o maior preço, mas não destroem. Eles são os que mais preservam”, afirmou. 

Marina disse que as mudanças climáticas têm relação com o desmatamento na Amazônia. “Infelizmente os mais vulneráveis pagam o preço e estamos inteiramente solidários e trabalhando juntos. Primeiro para manter os povos indígenas nas suas terras, respeitar os seus direitos tradicionais, combater a violência e proteger nesses momentos difíceis em que toda a população é afetada”, destacou.

O ministro Waldez Góes anunciou medidas de emergência e ajuda  humanitária para alimentação, água potável, combustível, investimento em torno de 24 milhões de reais. “E isso vai passar de 30 milhões de reais em termos de ajuda humanitária”, ressaltou.

O Dsei Alto Rio Juruá informou que foram atendidas com cestas básicas, água potável e hipoclorito de sódio: 34 aldeias do Polo Base de Saúde Jordão; 34 aldeias da Base Feijó; 19 aldeias da Base Marechal Thaumaturgo e 23 famílias de uma aldeia da Base de Tarauacá.

O boletim também informa que há monitoramento das doenças provenientes do período da enchente nas aldeias como: diarreia, hepatite A, leptospirose e picadas de animais peçonhentos. Apesar disso, não há um número de populações indígenas que contraíram algum tipo de doença devido ao contato com a água contaminada.

Em entrevista à reportagem, Abraão Shane Huni Kuin, genro de Ibã Huni Kuin,  expressou profunda tristeza pela atual situação de seu povo da aldeia Xiku Kurumim, localizada na TI Alto Rio Jordão. Ele disse que a ajuda oferecida pelo governo e prefeituras, não tem sido o bastante para suprir as necessidades de toda a comunidade. 

“Até agora a gente não recebeu ajuda de alimentação, porque não tem atendimento suficiente e, com isso, a gente está preocupado. É a mesma situação em todas as comunidades: a  questão da alimentação, da água, que trouxe [a enchente] muita contaminação. Hoje em dia as crianças estão com diarreia, as crianças bebem água suja, estão sentindo febre, gripe e água suja trazendo coceira e perebas e tá acontecendo muita coisa, estamos preocupados com saúde e alimentação dentro da nossa aldeia”, disse Abraão Kuin.

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