Negros ausentes, banco presente: os primeiros dias de Camilo Santana à frente do MEC

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Por Caio Ricardo Faiad*

“Não deixem de cobrar do nosso governo. Um governo não precisa de tapinha nas costas. Precisa ser cobrado todos os dias, para aprimorarmos nossa capacidade de trabalho. Cobrem, para que a gente faça”. Essa foi a mensagem do presidente eleito Lula no twitter dias antes de tomar posse.

Portanto, enquanto cidadão, enquanto pessoa negra, enquanto morador de favela, enquanto professor da quebrada, enquanto Cientista da Educação, enquanto alguém que foi candidato a codeputado estadual pelo PSOL-SP e que ficou intensamente em campanha para eleger Lula e derrotar o Bolsonaro e o bolsonarismo, venho apresentar meu incômodo acerca dos primeiros dias da nova gestão do MEC.

Foto: Reprodução XP

Preciso antes contar pra você, leitor(a), que desde 2019 uso as minhas redes sociais como ferramenta de Educação Política. O bolsonarismo se infiltrou nos algoritmos para disseminar desinformação e acredito que cientistas como eu devem adentrar nesse espaço para disputar a consciência da população. Incluo nas minhas fontes de produção de conteúdo o instagram de políticos e não seria diferente com o Ministro da Educação, Camilo Santana.

Um estranhamento se deu quando vi uma foto da nova equipe do FNDE que ativou a memória de um episódio onde a foto de uma empresa com a maioria de funcionários homens brancos viralizou na internet. A consequência foi uma ação na Justiça por dano social e moral coletivo. A “surpresa” é que em 2023 vejo uma reprodução desse episódio em um dos ministérios mais importantes do governo Lula: o MEC.

Começo pela foto em questão onde a equipe do FNDE é composta exclusivamente por pessoas brancas. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é comandado por Fernanda Pacobahyba e é responsável por colocar em prática grande parte dos programas de Educação Básica. As políticas públicas de Educação atendem majoritariamente a população preta, pobre e periférica do país, mas as pessoas negras não estão no FNDE elaborando essas políticas.

Eu ainda cogitei a possibilidade de ser alguma idiossincrasia do Fundo. Mas uma foto da equipe da Secretaria de Educação Superior (Sesu) comandada pela secretária Denise Carvalho mostrou o contrário. Mais uma vez uma equipe composta exclusivamente por pessoas brancas.

É nessa Secretaria que se planeja, orienta, coordena e supervisiona o processo de formulação e implementação das políticas para a Educação Superior. A avaliação da Lei de Cotas, por exemplo, em algum momento passará por essa Secretaria. Então, porque pessoas negras e indígenas não estão nessa área para pensar as cotas de forma integrada com outras áreas de interesse da Secretaria?

E na reunião com a equipe da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior? O órgão liderado por Mercedes Bustamante também apresenta o mesmo padrão. Com isso, concluo que a insuficiência de pessoas negras no espaço de decisão e de formulação de políticas públicas educacionais para o Brasil é um elemento estrutural da nova gestão do MEC.

Reunião do ministro Camilo Santana com a presidente do FNDE, Fernanda Pacobahyba, e sua equipe – Foto: Redes sociais

Aprendemos com Silvio Almeida, atual Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania e autor do livro Racismo Estrutural, que racismo é uma “forma sistêmica de discriminação baseada em raça, que se manifesta através de práticas conscientes ou inconscientes, culminando em desvantagem ou privilégio para indivíduos, a depender de qual grupo racial eles pertencem”.

Portanto, não digo que este caso de racismo institucional é criação ou novidade da atual gestão. Ela está com a gente, desde que o Brasil é Brasil. Porém, precisamos falar disso, pois pensar o racismo enquanto sistema é pensar no papel das instituições no processo de naturalização.

E o racismo se torna tão natural em nosso país, que no ano em que se comemora 20 anos da Lei 10.639/03 assinada nos primeiros dias do primeiro mandato do governo Lula, que obriga a implementação da História e Cultura africana e afro-brasileira em todas os componentes curriculares da Educação Básica, parece que ninguém percebeu a insuficiência de pessoas negras no direcionamento da Educação no país.

O próprio Camilo Santana escolheu apenas duas pessoas negras no primeiro escalão do ministério: Katia Schweickardt na Secretaria da Educação Básica e Zara Figueiredo na Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão.

É com esse cenário do primeiro e do segundo escalão da gestão Camilo Santana, que mostra que a Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, está certa em defender um decreto que garanta 30% de negros em cargos altos do Governo.

Parece que só assim a branquitude vai se forçar a perceber que pessoas negras estão capacitadas para tratar de qualquer assunto que envolve a reconstrução do Brasil. E isso inclui todas as áreas da Educação, não apenas aquelas ligadas à Diversidade e Inclusão.

O que o Camilo não deixou passar em branco em suas redes sociais foi a necessidade, nos primeiros dias de atuação como Ministro, de atender representantes do Itaú Educação e Trabalho. Na postagem do Instagram, a resposta dos seguidores veio na lata: “Tem que ouvir professores e sindicalistas”.

Reunião do ministro Camilo Santana com representantes do Itaú Educação e Trabalho – Foto: Redes sociais

“É preciso ouvir a comunidade educacional e ver as pesquisas da área, não os banqueiros e empresários”. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) publicou no dia 12 de janeiro uma nota pública dizendo que Agendas do MEC com setor privado e nomeação de Secretária de Educação Básica, que possui ligação com a Fundação Lemann, desrespeitam o direito à educação e os profissionais da área.

O retrato desses primeiros 15 dias do Ministério da Educação a partir da ótica escolhida para ser publicada nas redes sociais é claríssima: negros ausentes e banco presente. Ouvir a sociedade, caro ministro, não é ouvir os empresários.

Ouvir a sociedade inclui ouvir as entidades de classe e as sociedades científicas e acadêmicas de Educação que bradam por uma adoção efetiva de políticas de equidade racial e de combate à agenda privatista da Educação brasileira.

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O bolsonarismo é impregnado de uma agenda ultraneoliberal e tem a valorização do racismo como elemento estruturante. Fomos às ruas durante o pleito de 2022 para combater essas ideias. Eleger Lula para reconstruir um país DE todos, PARA todos e COM todos foi o que defendemos no corpo a corpo com a população brasileira.

Cabe agora ao MEC fazer a sua lição de casa e atuar com responsabilidade política para combater a prática do racismo institucional e colocar professores e cientistas da Educação como principais parceiros na formulação de políticas públicas educacionais.

* Caio Ricardo Faiad é Formado em Química e em Letras. Doutorando em Ensino de Ciências (USP) com pesquisa no campo da Educação das Relações Étnico-raciais no Ensino de Química. Coeditor da Revista BALBÚRDIA, uma revista de divulgação científica do campo educacional organizada por pós-graduandos do PIEC-USP. Membro do Comitê SP da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

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