A filósofa Katiúscia Ribeiro explica, em suas aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que parte da filosofia europeia nasceu sob influência de estudos que já teriam sido feitos intelectuais egípcios. Uma matéria publicada em 2017 pelo caderno Ilustríssima, do jornal Folha de São Paulo, revela que africanos propuseram ideias iluministas antes de Locke e Kant. Mas o que vemos disseminado no sistema educacional brasileiro, para me ater a meu lugar de fala, é uma bibliografia eurocêntrica e um comportamento epistemologicamente racista de seu corpo docente.
A constatação deste fato pode ser vista no artigo científico publicado recentemente na revista ECO-Pós, publicada pela UFRJ, numa edição dedicada a tratar de Racismo. Entre os textos selecionados, há um – “Do racismo epistêmico às cotas raciais: A demanda por abertura na universidade” – produzido pelo Grupo de Estudos sobre Relações Raciais no Brasil, do qual eu faço parte, que conversou com sete acadêmicos negros e, em cima de suas falas, fez um panorama de como está atualmente a situação do negro que quer construir uma carreira intelectual no Brasil.
A despeito da política de cotas e ações afirmativas, as universidades brasileiras não se abriram para outras epistemologias. Isso acontece, em parte, pelo fato de não termos ainda um quadro representativo de professores negros. Por um lado, porque muitos alunos ainda estão estudando para poder ocupar estes espaços. Por outro, muitas universidades não fazem questão de investir na diversidade de seu corpo docente, reproduzindo em seus corredores o racismo estrutural visto na sociedade como um todo.
No corporativismo do meio acadêmico, essa lacuna é “preenchida” com artigos de intelectuais brancos usando negros como objetos de estudos.E referenciados por uma bibliografia que, em 2019, segue sendo eurocêntrica.
Entretanto, mostrando que somos descendentes de Dandara, focos de resistência podem ser encontrados Brasil afora. Um deles é formado por alunos da pós-graduação que, entendendo a necessidade de termos mais profissionais negros nas áreas de ensino, estão se juntando em coletivos para ajudar alunos cotistas (negros, indígenas e trans) a entrarem no mestrado e no doutorado. Criando, assim, uma grande e potente rede de apoio. No Rio de Janeiro há dois grupos dos quais eu
fiz parte, o da Escola de Comunicação da UFRJ e o da Comunicação da UFF.
Outro foco de resistência é formado por intelectuais que hoje são professores e que, aos poucos, conseguem incluir uma bibliografia plural em suas disciplinas, mesmo não sendo referendados pelas ementas oficiais. Um exemplo famoso é o da professora Giovana Xavier, que criou o Grupo de Estudos Intelectuais Negras que, uma vez por mês, faz encontros abertos ao público na UFRJ.
No seu mais recente disco, Baco Exu do Blues canta “tudo que quando era preto era do demônio, e depois virou branco e foi aceito eu vou chamar de blues”. A universidade é blues, mas não por muito tempo!