De acordo com a ONG Human Rights Watch, o grupo Estado Islâmico raptou centenas de rapazes, alguns com apenas 12 anos, treinou-os em bases em toda a província de Cabo Delgado e forçou-os a lutar ao lado de adultos.“Usar crianças para combater é cruel, ilegal e nunca deveria ter lugar”, considerou a Human Rights Watch num comunicado divulgado hoje em que a organização exorta “os Al-Shebab de Moçambique a pararem imediatamente de recrutar crianças e a libertar todas as crianças nas suas fileiras”.
Com base nos testemunhos de familiares e relatos diretos, principalmente de mulheres que conseguiram fugir do cativeiro após terem sido raptadas por jihadistas, a Human Rights Watch enuncia o caso de habitantes de Palma que dizem ter visto os seus filhos empunhando armas quando regressaram com outros combatentes para invadir a sua localidade em Cabo Delgado. A ONG conta igualmente o caso de um homem de 42 anos afirmando que sete jihadistas raptaram o seu filho de 17 anos durante o ataque a Palma, no passado dia 24 de março, ou ainda o relato de três mulheres que escaparam de uma base do grupo terrorista em Mbau e que afirmam ter visto lá “centenas de rapazes” recrutados nas fileiras do grupo.
“O que descobrimos é que o grupo está a treinar jovens e, por conseguinte, são estes jovens que são enviados para o terreno de batalha e que são também convencidos a regressarem às suas zonas de origem e a cometerem horrores e atrocidades que já várias vezes a Human Rights Watch reportou, como é o caso de incendiar casas, a destruição de infra-estruturas e em alguns casos também, atacarem algumas pessoas”
relata Zenaida Machado, investigadora da Human Rights Watch em Moçambique, em entrevista à RFI.
Ao dizer que “muitas crianças estão envolvidas nesta guerra”, a ativista lança em nome da Human Rights Watch um apelo “ao governo moçambicano para investigar o uso de crianças, para protegê-las deste processo de recrutamento para fazerem parte da insurgência, mas também para terem muito cuidado no processo de detenção e prisão dos insurgentes, de seleccionarem entre os adultos e as crianças.” Na visão de Zenaida Machado, é preciso “dar a essas crianças a possibilidade de terem um julgamento justo e que a prioridade seja reabilitá-las e reintegrá-las dentro da sociedade. O lugar de uma criança não é em terreno de batalha. O lugar de uma criança é a brincar, é na escola e é junto aos seus familiares”, conclui a investigadora.
Em junho deste ano, a organização humanitária Save the Children estimou que os grupos armados ativos em Cabo Delgado tinham raptado durante o ano passado pelo menos 51 crianças. Outras investigações conduzidas, desta vez, pelo Observatório do Meio Rural (OMR) deram conta da expansão das fileiras jihadistas no norte de Moçambique através do recrutamento de menores.
De acordo com o Protocolo Facultativo das Nações Unidas à Convenção sobre os Direitos da Criança, relativo ao envolvimento de crianças em conflitos armados, ratificado por Moçambique em 2004, os grupos armados não estatais estão proibidos de recrutar crianças menores de 18 anos, sendo que o Tribunal Penal Internacional tipifica como crime de guerra o recrutamento, alistamento ou recurso activo a crianças menores de 15 anos em conflitos armados.
Desde o início dos ataques em Cabo Delgado, em Outubro de 2017, a violência armada já provocou mais de 3.100 mortes, de acordo com dados do projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo fontes governamentais. Uma situação que as forças de defesa e segurança moçambicanas têm tentado inverter com o apoio de militares vindos do Ruanda e dos países da SADC desde julho. Este esforço resultou para a reconquista de alguns territórios, inclindo Mocímboa da Praia retomada pelas forças conjuntas no passado mês de Agosto, precisamente um ano após ter caído nas mãos dos jihadistas.
Fonte: RFI