Vidas que Resistem: Homenageando Mestres Negros em Vida

Livia-Teodoro-credito-Marcos-Gomes-1.jpeg

Reconhecimento tardio e epistemicídio: por que é crucial homenagear líderes negros ainda em vida? Uma reflexão histórica

Por Lívia Teodoro*

Nos meandros da história do Brasil, uma narrativa silenciosa persiste, relegando grandes personalidades negras ao esquecimento até que a morte as coloque sob os holofotes. A necessidade de homenagear mestres negros em vida é uma questão de justiça histórica, especialmente quando olhamos para figuras como Abdias do Nascimento, Maria Carolina de Jesus e Lélia Gonzales, cujo reconhecimento além da bolha acadêmica é demorado.

É tempo de celebrar as contribuições de intelectuais, líderes religiosos, artistas e pessoas referências para a cultura negra enquanto continuam entre nós. A historiografia brasileira, responsável por narrar nossa história, tem invisibilizado figuras negras notáveis. Ao deixar de registrar suas trajetórias, promovemos o epistemicídio, aniquilando intencionalmente o saber produzido por essa comunidade.

Jorge dos Anjos segura escultura sonora – Foto: Hudson Assis

É necessário quebrar esse ciclo, reconhecendo a importância desses ícones em vida. Para construir um imaginário social antirracista, é vital normalizar a citação de escritores, artistas plásticos e músicos negros como símbolos da cultura nacional.

A construção da identidade nacional colocou historicamente o povo negro em papéis específicos, frequentemente referenciados apenas como “escravos” nos livros de história. Contudo, é crucial lembrar que contribuímos significativamente para diversos campos do conhecimento, da medicina à agronomia, áreas onde nossa presença foi apagada. O movimento negro desempenha um papel essencial na recuperação dessa memória, desafiando narrativas limitadas e distorcidas.

A memória histórica não se limita ao passado distante, e a História do Tempo Presente oferece uma ferramenta valiosa para reconhecer figuras relevantes enquanto continuam conosco. Perdemos recentemente Nego Bispo, pensador quilombola e ativista da educação libertadora.

Sua ausência destaca a necessidade de incluir tais nomes em nossa memória histórica enquanto estão vivos. Em contraste, o bloco Afro Magia Negra, em Belo Horizonte, busca ressignificar a historiografia, homenageando o artista plástico Jorge dos Anjos em seu cortejo “Arrastão Màriwò”.

Com uma trajetória que transcende os limites do convencional, Jorge é um pintor, escultor, artista de pedra sabão e desenhista cuja maestria se destaca na arte ancestral de moldar o ferro. Suas obras não apenas revelam um domínio técnico excepcional, mas também resgatam a riqueza da tecnologia africana, consolidada nas fundações do estado de Minas Gerais.

A relevância de homenagear Jorge dos Anjos vai além do reconhecimento de suas habilidades artísticas. Sua capacidade de transformar o metal em obras de arte plástica contribui para redefinir a narrativa cultural brasileira.

Ao destacar Dos Anjos como uma figura representativa da cultura nacional, o Bloco Afro Magia Negra desafia estereótipos e inspira o reconhecimento precedente de referências nas artes plásticas. É uma oportunidade de apreciar o presente, valorizando a contribuição significativa de artistas negros vivos, ao invés de esperar pela inevitabilidade da morte para celebrar seu legado.

Este gesto não apenas rompe com o padrão histórico de homenagens póstumas, mas também destaca a importância de reconhecer e celebrar ativamente os mestres negros que moldam a cultura contemporânea.

Leia também: Além da tela: o silenciamento das influenciadoras negras na publicidade brasileira

Ao resgatar a história do povo negro com o ferro no Brasil, Jorge dos Anjos se torna um símbolo não apenas de habilidade artística, mas de resistência e reinvenção cultural, merecendo a reverência e a admiração enquanto continua a enriquecer o panorama das artes plásticas no país.

Marcos Antônio Cardoso, historiador e responsável pela elaboração do conceito histórico do Bloco Afro Magia Negra, destaca a importância da homenagem a Jorge dos Anjos, resgatando a tecnologia africana. Esta iniciativa desafia a cultura brasileira de apagar referências negras, reconhecendo artistas cujo legado muitas vezes só é celebrado postumamente. 

O cortejo “Arrastão Màriwò”, que acontece no próximo dia 14 de fevereiro, tem em vista expandir a compreensão sobre fundamentações culturais no translado Afro Diaspórico. Camilo Gan, coordenador da Associação Cultural Bloco Afro Magia Negra, destaca a responsabilidade do bloco em preservar as expressões da cultura negra, nutrindo o carnaval, o maior festejo popular do Brasil.

Assim, a homenagem ao Rei Ferreiro não é apenas um ato isolado de reconhecimento artístico, mas uma ação que deve ecoar nos corredores acadêmicos, instigando uma revisão crítica dos métodos e abordagens que moldam nossa compreensão do passado e do presente.

É uma oportunidade de romper com a inércia histórica e construir um legado que celebre a diversidade, destaque as contribuições negras para a sociedade e pavimente o caminho para uma história mais justa e inclusiva. Este é, portanto, um convite à reconstrução positiva de nossas narrativas, promovendo uma mudança fundamental na forma como enxergamos e valorizamos a história e cultura negras no Brasil.

Lívia Teodoro é mineira de 32 anos, é comunicadora, influenciadora e historiadora graduada pela UFMG. Faz parte do time de influenciadores da primeira edição da Teia de Criadores. Com formação em História da África e afro-brasileira, também é pós-graduanda em jornalismo digital. Discute pautas de gênero, raça e sexualidade de maneira didática e objetiva para ser acessível a todas as pessoas

Deixe uma resposta

scroll to top