Vamos falar sobre representatividade rasa?

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Nos últimos anos, as redes sociais foram tomadas por discursos sobre empoderamento negro, frequentemente relacionados a moda, cabelos afro, shows de artistas pretos e a exaltação de personalidades negras. Apesar da aparente positividade, essas manifestações muitas vezes se limitam a uma representatividade superficial, que pouco contribui para o enfrentamento das profundas desigualdades raciais no Brasil. Como jornalista, empreendedora e CEO do Notícia Preta, afirmo categoricamente: não queremos apenas representatividade; queremos equidade. Só através dela teremos mudanças reais no âmbito das questões raciais e sociais.

A representatividade rasa promove a ilusão de progresso enquanto negligencia as condições estruturais que perpetuam o racismo. No Brasil, ser negro é enfrentar um sistema que historicamente exclui nossa população de forma violenta, econômica e política. Dados do Atlas da Violência 2023, publicado pelo IPEA, revelam que 77% das vítimas de homicídios no Brasil são negras. Essa violência, contudo, não se restringe às mortes, mas também se manifesta em um projeto de exclusão econômica e educacional. Segundo o IBGE, em 2022, a renda média de pessoas negras foi apenas 57,8% da renda de pessoas brancas. Além disso, a taxa de analfabetismo entre negros é mais que o dobro da registrada entre brancos.

Thais Bernardes é jornalista, empresária fundadora do Notícia Preta, Escola de Comunicação Antirracista e do Instituto Orire e tem 18 anos de experiência

Focar em aspectos superficiais como looks de celebridades ou shows de artistas não transforma essa realidade. É necessário um discurso que questione as estruturas que perpetuam a desigualdade. A professora Angela Davis, em sua obra Mulheres, Raça e Classe, destaca que a luta antirracista precisa estar alinhada a questões de classe e gênero, combatendo todas as formas de opressão sistêmica. Dessa forma, não basta exaltar indivíduos; é fundamental trabalhar para que a população negra como um todo tenha acesso a oportunidades reais.

Vivemos em uma sociedade capitalista, onde o acesso a recursos é indispensável para conquistar direitos como saúde, educação e moradia. O verdadeiro empoderamento está em colocar dinheiro no bolso, comida na mesa e garantir acesso ao capital. Enquanto negros continuarem excluídos dos espaços de poder econômico, político e acadêmico, a luta antirracista não avançará de forma efetiva.

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Infelizmente, páginas que promovem debates rasos sobre questões raciais colaboram para perpetuar essa exclusão. Elas afastam o foco do pensamento crítico e da ação transformadora, impactando negativamente a produção de conteúdo sério e informativo. O mercado publicitário, em busca de engajamento, acaba financiando tais páginas, em detrimento de jornais negros comprometidos com a luta antirracista. Essa dinâmica reduz as possibilidades comerciais de veículos que promovem a reflexão e a mudança estrutural.

Como fundadora do Notícia Preta e da Escola de Comunicação Antirracista, sei da importância de utilizar a comunicação como ferramenta de educação e inclusão produtiva. Nosso compromisso é com a equidade, capacitando pessoas negras e periféricas para que elas tenham condições de transformar suas realidades. Não podemos aceitar que a luta antirracista seja reduzida a discursos decorativos ou a estéticas vazias.

O Brasil precisa de mudanças profundas, e isso exige coragem para ir além da superfície. Como Djamila Ribeiro escreve em Pequeno Manual Antirracista, “Ser antirracista é agir de forma a combater o racismo estrutural em todas as suas formas”. Portanto, é imperativo que lutemos por acesso, direitos e condições para que as pessoas negras possam prosperar. Apenas assim construiremos um futuro mais justo para todos.

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