Sobre os protestos Vidas Negras Importam e outras demonstrações em massa contra o racismo sistemático e a brutalidade policial

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*Sobre os protestos do Vidas Negras Importam e outras demonstrações em massa contra o racismo sistemático e a brutalidade policial

George Floyd sob o joelho do policial branco durante 8 minutos e 46 segundos – Foto: Reprodução Internet

Um chamado desesperado pela mãe que partiu há tempos. Alcançando desde as entranhas mais profundas da frágil humanidade. Respirando com dificuldade. Implorando por compaixão. O mundo inteiro escutou o lamento trágico. A família das nações viu seu rosto pressionado contra o duro pavimento. Dor insuportável em plena luz do dia. Um pescoço esmagado sobre um joelho e o peso da história. Um gigante gentil, desesperadamente se agarrando à vida. Ansiando por respirar livremente. Até seu último suspiro. 

Como líderes africanos de alto nível das Nações Unidas, as últimas semanas de protestos contra a morte de George Floyd pelas mãos da polícia nos encheram de indignação pela injustiça do racismo que continua generalizado em nosso país anfitrião e no mundo inteiro. 

Não há palavras para descrever o profundo trauma e sofrimento intergeracional que é resultado da injustiça racial perpetrada através dos séculos, particularmente contra pessoas de ascendência africana. Apenas condenar expressões e atos racistas não é suficiente. 

Nós precisamos ir além e fazer mais. 

O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, declarou que “precisamos erguer nossas vozes contra todas as expressões do racismo e todos os casos de comportamento racista”. Depois do assassinato do senhor George Floyd, o lema de que as “Vidas Negras Importam” que ressoa nos Estados Unidos e em todo o mundo é mais do que um slogan. De fato, elas não apenas importam, elas são fundamentais para o alcance de nossa dignidade humana comum. 

Agora chegou  momento de passar das palavras à ação.

Manifestantes atearam fogo na delegacia de Minneapolis em protesto à morte de George Floyd – Foto: Divulgação

Nós devemos a George Floyd e todas as vítimas de discriminação racial e brutalidade policial o desmantelamento das instituições racistas. Como líderes no sistema multilateral, nós acreditamos que cabe a nós falar por aqueles cujas vozes foram silenciadas, e dialogar por respostas efetivas que contribuam para lutar contra o racismo sistemático, um flagelo mundial que tem sido perpetuado ao longo dos séculos. 

O chocante assassinato de George Floyd tem raízes em uma série de questões mais amplas e persistentes que não vão desaparecer se nós as ignoramos. É momento para a Organização das Nações Unidas intervir e agir decisivamente para ajudar a acabar com o racismo sistemático contra pessoas afrodescendentes e outros grupos minoritários “na promoção e encorajamento do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais para todos e todas, sem distinção como raça, sexo, idioma ou religião”, como estipulado no artigo primeiro da Carta das Nações Unidas. De fato, o fundamento da Organização das Nações Unidas é a convicção de que todos os seres humanos são iguais e têm direito a viver sem medo de perseguição. 

Foi no momento mais crítico dos movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos, e durante a emergência da independência pós-colonial das nações africanas, que se juntaram às Nações Unidas, que entrou em vigor a Convenção Internacional pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em 1969. 

Este foi um momento essencial na história. O colapso do Apartheid na África do Sul, impulsionado em parte pelas Nações Unidas, foi uma das conquistas de maior orgulho da organização. Os direitos humanos e a dignidade de pessoas negras na África, assim como de toda a diáspora africana, soaram como um poderoso sinal para as futuras gerações de que a Organização das Nações Unidas não fecharia os olhos para a discriminação racial nem toleraria injustiça e fanatismo disfarçados de leis injustas. Nesta nova era, a ONU deve da mesma forma fazer uso de sua influência para relembrar-nos mais uma vez do trabalho inacabado em erradicar o racismo, e clamar à comunidade das nações a removerem a mancha do racismo na humanidade.

Nós damos boas vindas às iniciativas do secretário-geral em fortalecer o discurso global antirracismo, que nos permitirá fazer frente ao racismo sistemático em todos os níveis, assim como o seu impacto onde quer que exista, inclusive na própria Organização das Nações Unidas. Se vamos liderar, devemos começar pelo exemplo. Para começar e sustentar uma mudança real, nós também devemos fazer uma avaliação honesta de como colocar em prática a Carta das Nações Unidas dentro de nossa instituição.

Nossa expressão de solidariedade também deve estar de acordo com nossas responsabilidades e obrigações enquanto funcionários públicos internacional em se opor e se pronunciar contra a opressão. Como líderes nós compartilhamos das crenças fundamentais e dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas, que não nos deixam a opção de ficar em silêncio. Nós nos comprometemos a fazer uso de nossa experiência, liderança e dos nossos mandatos para fazer frente às causas profundas e realizar as mudanças estruturais que precisam ser implementadas se nós queremos colocar um fim ao racismo. 

Quase 500 anos depois que o repugnante comércio transatlântico de africanos começou, nós chegamos em um ponto crítico na trajetória do universo moral enquanto nos aproximamos, em 2024, da Década Internacional de Afrodescendentes, apenas a quatro anos de distância. Usemos nossa voz coletiva para ajudar a tornar realidade a visão transformadora da África contida na Agenda 2063, que dialoga com a Agenda 2030 para o mundo. 

A África é o berço da humanidade e a precursora das civilizações humanas. Como continente, a África deve exercer um papel definitivo no mundo para alcançar o desenvolvimento sustentável e a paz. Este foi o sonho dos fundadores da Organização da Unidade Africana; esta foi também a forte convicção de proeminentes líderes como Kwame Nkrumah e intelectuais eminentes como Cheikh Anta Diop. Que não nos esqueçamos das palavras do presidente Nelson Mandela: “negar às pessoas seus direitos humanos é desafiar sua própria humanidade”. 

Que recordemos sempre a advertência de líder pelos direitos civis Fannie Lou Hamer: “ninguém está livre até que todos estejam livres”, uma mensagem que voltou a ser ecoada por Dr. Martin Luther King Jr, “a injustiça em qualquer lugar é uma ameaça para a justiça em todos os lugares”. Suas palavras foram mais tarde personificadas no arco-íris da diversa nação sul africana, assim como expressou o conciliador arcebispo Desmond Tutu, quando ele declarou que “a liberação negra é um pré-requisito absolutamente indispensável para a liberação branca – ninguém estará livre até que todos estejam livres”.

*Todos que assinaram essa lista abaixo são funcionários de alto-nível das Nações Unidas que estão logo abaixo do secretário-geral. Assinaram esse artigo de opinião com título pessoal

Tedros Adhanom, Ghebreyesus, Mahamat Saleh Annadif, Zainab Bangura, Winnie Byanyima, Mohamed Ibn Chambas, Adama Dieng, François Lounceny Fall, Bience Gawanas, Gilbert Houngbo, Bishar A. Hussein, Natalia Kanem, Mukhisa Kituyi,  Mankeur Ndiaye, Phumzile Mlambo-ngcuka, Parfait Onanga-anyanga, Pramila Patten, Vera Songwe, Hanna Tetteh, Ibrahim Thiaw, Leila Zerrougui

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