“Entrei com a consciência de que precisaria retornar o conhecimento ao meu povo”, diz Chavoso da USP

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O estudante de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo, o Chavoso da USP, como é conhecido Thiago Torres, concedeu uma entrevista exclusiva ao Notícia Preta. O estudante em formação fala sobre sua origem, sobre seu desejo de “retornar o conhecimento” adquirido na universidade, ao seu povo, e debate também temas como a reforma do Ensino Médio, e o acesso a educação aos mais pobres.

O apelido de “Chavoso” veio pela maneira como se veste. Thiago é funkeiro, da periferia, e ficou famoso por promover o debate científico e acadêmico de maneira popular, em um canal no Youtube com 382 mil seguidores. “Entrei na USP com a consciência de que precisaria retornar ao meu povo o conhecimento que iria adquirir naquela universidade pública, mantida com o dinheiro dos impostos dos que geralmente não conseguem acessá-la”, disse ele.

Chavoso contou que não planejava ser influenciador ou palestrante, mas quando se tornou conhecido na internet, passou a ser convidado pra dar palestras em escolas públicas. Nisso, viu uma oportunidade de realizar o objetivo e de um jeito muito maior, pois não ficaria limitado a apenas uma escola, mas se conectaria a várias.

“Hoje, quando pego um microfone pra falar numa escola e olho praqueles alunos, me vejo neles. Lembro que, poucos anos atrás, quando estava no lugar deles, não tinha nenhuma referência de jovem de quebrada com estilo funkeiro falando na gíria e sendo estudioso, universitário”, afirmou.

Chavoso Da USP também tem mais de 190 mil seguidores no Instagram, com quem debate sobre os assuntos relacionados a educação /Foto: Reprodução Instagram

Chavoso, que é militante organizado no movimento social Mandela Free, afirma lutar “por uma transformação radical da USP, fundada por e para a elite paulista”. Segundo ele, foi a última das grandes universidades públicas brasileiras a implementar as cotas étnico-raciais no seu vestibular. É também a instituição de ensino superior que possui apenas 3% de professores pretos, pardos ou indígenas.

Thiago participou das manifestações de rua contra a Reforma do Ensino Médio em 2016 e 2017. Para ele, o novo Ensino Médio reduz drasticamente as chances de um aluno pobre entrar na universidade, ao excluir matérias fundamentais do currículo e criar “itinerários formativos”, que grande parte das escolas públicas sequer tem condições de oferecer.

“Os alunos deixaram de ter aulas de História, Biologia, Sociologia, Educação Física e passaram a ter aulas de “Brigadeiro Caseiro”, “RPG”, “Empreendedorismo”, dentre outras doutrinações neoliberais que vão prepará-los pro trabalho informal e precário, enquanto corroem suas mentes com ideologias burguesas”, afirmou.

Ele entende que o que existe, é uma “Deforma do Ensino Médio”, e afirmou que a medida ressuscita políticas educacionais brasileiras antigas.“Inclusive da ditadura empresarial-militar”, disse ele.

“Foi inicialmente imposto pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) através de uma Medida Provisória apenas três semanas após a consolidação do golpe de 2016 que derrubou o governo social-liberal da presidenta Dilma Rousseff (PT) e o substituiu por um governo ultraliberal (o de Michel Temer). Esse golpe teve como objetivo impor ao Brasil um projeto político-econômico completamente diferente daquele que o povo elegeu em 2014”, explicou o universitário.

O Chavosos da USP acredita que o projeto do governo “Ponte Para o Futuro”, incluía dentre outras reformas, a do Ensino Médio. “Formulada não por educadores e pedagogos das escolas públicas, mas por fundações bilionárias ligadas a grandes empresários da Educação. Não por acaso, o governo golpista de Michel Temer também impôs a Deforma Trabalhista”, disse Chavoso, que ainda complementa:

“Uma destrói o mercado formal de trabalho e a CLT, gera desemprego, informalidade, precarização e uberização; a outra prepara os adolescentes pra essa nova realidade trabalhista”, concluiu.

No dia 15 de junho deste ano, o Ministério da Educação iniciou um consulta pública on-line, após pressão de estudantes. No dia 13 de julho o presidente Lula esteve presente no congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e acenou para a possibilidade de uma reformulação:

“Eu suspendi a implantação do Novo Ensino Médio no Brasil. E nós abrimos uma ampla escuta para ouvir estudantes. Foram 150 mil estudantes que participaram. Nós ouvimos professores, entidades, secretários”, disse Lula.

Para Thiago Torres, há um “cabo de guerra” em torno da reforma do Ensino Médio. “De um lado da corda, estamos nós, educadores, estudantes, pesquisadores da escola pública. Do outro lado, estão as fundações bilionárias, os grandes empresários da Educação, os donos dos colégios privados. Esses grupos têm forte influência sobre o ministério da Educação; foram eles quem criaram a Deforma do Ensino Médio no governo Temer, foram eles que a implementaram no governo Bolsonaro e são eles que estão mantendo ela no governo Lula”, disse.

O universitário entende que construir uma greve nacional da Educação, com ocupações de escolas, é o caminho. Ele afirma que é preciso pressionar as grandes entidades estudantis por isso, principalmente União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e UNE, e os sindicatos de professores, como a APEOESP, em São Paulo.

Mas também ressaltou a importância de “construir esse movimento de forma independente, pela base”.

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Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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