Reforço Escolar formou mais de mil crianças no Nordeste de Amaralina (BA)

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As aulas de reforço escolar resultam em formação mais humana e individualizada

Matéria produzida originalmente pelo coletivo Entre Becos, de Salvador (BA) e replicada com a devida autorização dos produtores do conteúdo

“A única coisa que você tem e ninguém rouba de você é o estudo. Se você ficar rico, alguém pode roubar seu dinheiro, se você tiver um carro, alguém pode tirá-lo de você. Mas o seu estudo, não. A educação salva’’, afirma a educadora Suzane Pereira, 60, há mais de 40 anos formando crianças e jovens na favela do Nordeste de Amaralina, em Salvador.

Nascida e criada na comunidade, Suzane diz ter vocação para o ensino infantojuvenil. A trajetória dela começou aos 11 anos, quando auxiliava a irmã mais velha que oferecia reforço escolar para crianças, prática popularmente denominada como banca, na casa onde moravam.

Suzane e o grupo de alunos do turno vespertino –  Bruna Rocha/Entre Becos 2023

‘’Tenho mais de 40 anos trabalhando nisso. Assumi a banca depois que a minha irmã conseguiu um emprego fora e se mandou, aí fiquei com os alunos dela e com um tempo fui pegando os meus. Por aqui já passaram mais de mil crianças’’, conta Su, como é mais conhecida. 

Para ela, a mensalidade nunca foi um problema. Com alguns alunos, o pagamento não se limitava ao dinheiro. “Tive crianças que o pai me pagava com banana, laranja, manga,  porque ele trabalhava na feira e não tinha como pagar em espécie. O recurso dele era esse, sem carteira assinada queria tirar os três filhos da banca por não ter dinheiro, mas demos um jeito. Ficou uns cinco ou seis anos assim, até eles se mudarem”, relembra Su. 

O espaço educacional criado por Suzane é no quintal da casa dela. Ela adaptou uma pequena sala para dar aula  e a enfeitou com desenhos, livros infantis e fotografias dos seus antigos alunos.

 A mensalidade no Reforço Escolar da Abelhinha, custa R$ 120, atende crianças de 7 a 11 anos, que estejam entre o primeiro e sexto ano do ensino fundamental. Atualmente, o local comporta 11 alunos divididos entre os turnos da manhã e da tarde, e estudam de maneira coletiva. Os encontros costumam durar três horas. 

Para a comerciante Luciana Santos, 41, os ensinos de Suzane são fundamentais para o letramento da filha Emilie Santos, 8, que já estuda na banca há três anos. 

Suzane ensinando atividades para os alunos no Reforço Escolar da Abelhinha –  Bruna Rocha/Entre Becos 2023

“Em meio a pandemia, foi Su que me ajudou a alfabetizar minha filha, e não deixou ela parar. Como a escola interrompeu as aulas, Suzane deu continuidade aos estudos com todos os cuidados e EPIs necessários”

Satisfeita com o ensino, Luciana pretende deixar a filha o maior tempo possível na Reforço Escolar da Abelhinha. “Gosto do ensino de Su, ela é uma pessoa responsável, cuida bem das nossas crianças. Pretendo deixar minha filha na banca até o tempo que der. Se Suzane disser que tem até a quinta série, ela vai ficar até a quinta série; se tiver até a sexta série ela vai ficar até a sexta”, diz.

Emilly é descrita por Suzane e pelos pais dela como uma criança esperta e inteligente. Apegada aos livros, é fã dos gibis da Turma da Mônica e diz que os estudos são importantes para realizar seus sonhos no futuro.  

“Na escola, eu gosto muito de matemática. Acho que estudar é importante para aprender a ler, a escrever, e poder ser alguém na vida, e aprendi isso na banca. Quando crescer, eu quero ser médica”.

Saberes compartilhados

Sétima filha de 13 irmãos, Suzane sempre foi estimulada a estudar pela mãe que não sabia ler nem escrever. 

Emily gosta de matemática e quer realizar o sonho de ser médica –  Bruna Rocha/Entre Becos 2023

“Se tivesse três alunos inteligentes na sala, eu era um desses, não é pra me gabar não.  Minha mãe chamava crianças de séries mais avançadas para brincar de escolinha comigo e com meus irmãos, eles nos ensinavam e ganhavam doces”, relembra. 

Aluna exemplar e de boas notas, Suzane conseguiu uma bolsa de estudos integral no Colégio Guioar Muiz Pereira, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Ao chegar na instituição se deparou com alunos com condições financeiras para pagar a mensalidade, “com todo mundo chique”, e conta que não se sentia parte daquele lugar. 

Quatro anos depois, em 1984, se formou em magistério, com aproximadamente 19 anos, dando continuidade ao sonho de educar. Durante a formação, Su não abandonou a banca. Pelo contrário, estimulava os alunos a seguirem estudando e faz  até hoje. 

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Ariane Fonseca, 26, é um dos frutos do estímulo da professora. Ela entrou no Reforço Escolar da Abelhinha na quarta série, apesar de não lembrar a idade que tinha na época, a jovem recorda os momentos que viveu no local. 

“O período que eu passei com ela foi incrível! Tenho recordações muito boas desse tempo, ela é uma pessoa que incentivava bastante. Eu gostava muito de ler, gostava de desenhar e ela incentivava as minhas produções”, relembra. 

Ariane, ex-aluna de Suzane, é formada em design – Divulgação

Formada em Designer, Ariane conta com carinho que Suzane foi uma base escolar para ela. “Sou fruto da formação de várias pessoas e de vários incentivos. Suzane foi uma delas, foi a minha base, me formou.  Ela lá atrás com certeza influenciou a pessoa que sou hoje”, conclui Ariane.

*Reportagem de Bruna Rocha e Lais Lopes, Fotografia de Bruna Rocha, Edição de Cleber Arruda e Rosana Silva.

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