O Brasil vive uma transformação silenciosa, mas expressiva, no campo religioso e essa mudança é cada vez mais perceptível entre os jovens negros das periferias urbanas. Segundo levantamento recente do instituto Datafolha, realizado entre março e abril de 2025, cerca de 34% dos jovens de 16 a 24 anos na cidade do Rio de Janeiro e 30% em São Paulo afirmaram não seguir nenhuma religião. Esse número sobe quando considerado apenas o recorte racial: entre os jovens negros, o índice de “sem religião” é ainda mais alto.
A pesquisa ouviu mais de 1.200 pessoas em cada capital e aponta um processo de afastamento das instituições religiosas tradicionais, sobretudo entre populações jovens, negras, de renda média-baixa e com maior acesso à educação. A tendência também se alinha com os dados do Censo Demográfico de 2022, que já apontava um crescimento expressivo da população brasileira sem religião, de 8% em 2010 para 12,2% em 2022.

Juventudes negras e o questionamento institucional
A pesquisa do Datafolha mostra que, entre os jovens que se declaram pretos ou pardos, a ausência de religião está mais relacionada a uma rejeição às estruturas hierárquicas das instituições religiosas e ao histórico de discriminação racial em espaços de fé. Muitos relatam se sentir excluídos ou pouco representados em igrejas e templos, inclusive nas religiões de maioria cristã.
Segundo a socióloga Maria Clara Dias, pesquisadora da UFRJ especializada em juventude e religiosidade, “a juventude negra tem protagonizado um processo de reinterpretação da espiritualidade que não depende da filiação a uma religião organizada. Esse afastamento não significa perda de fé, mas sim uma mudança nas formas de vivê-la”.
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A intolerância religiosa também é um fator de destaque no levantamento. Jovens negros de religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, relataram medo de se identificar como praticantes dessas tradições, o que leva muitos a se declarar “sem religião” por segurança. O crescimento de discursos religiosos ligados a pautas conservadoras e à extrema direita também foi citado como um motivo de afastamento.
Além disso, entre os entrevistados de classe C e D, há maior percepção de que as igrejas se aproximaram de interesses políticos nos últimos anos, o que gerou desconfiança. “Eu cresci em igreja, mas hoje não me identifico com nada. Parece que virou empresa ou partido político”, declarou um jovem de 22 anos da zona leste de São Paulo ouvido pela pesquisa.
Apesar da queda na identificação religiosa formal, especialistas afirmam que isso não significa um abandono da espiritualidade. Ao contrário: muitos jovens negros vêm buscando formas de conexão espiritual fora das instituições, seja por meio da ancestralidade, da arte, da natureza ou da meditação.
Dados da mesma pesquisa mostram que 59% dos jovens que se declaram sem religião dizem acreditar em alguma força superior ou espiritualidade, ainda que não ligada a uma religião específica. Essa tendência se alinha com o crescimento global do movimento “espiritual, mas não religioso”, especialmente entre jovens conectados digitalmente e críticos de tradições impostas.