“A identidade nacional construída pela história sempre foi branca”, afirma historiador

oladimeji-odunsi-e-TuK4z2LhY-unsplash.jpg

A história brasileira tem uma série de personagens importantes que se destacaram ao longo dos 200 anos da Independência, e até antes dela, desde a chegada dos portugueses. Mas nem todos os nomes que foram referência na construção do Brasil foram reconhecidos pela história e lembrados pelo povo. 

Com o tempo, muitos heróis negros brasileiros foram esquecidos, e quase apagados. Para o professor, escritor e historiador Jorge Santana esse apagamento histórico de figuras negras importantes acontece com frequência no Brasil para evitar que novas lideranças negras surjam. 

Lélia, 1977. Foto: Alberto Jacob
Lélia Gonzalez, 1977 /Foto: Alberto Jacob

“Se olhar para a história e não ver que tiveram outros que se levantaram, dificulta que novas figuras possam emergir”, explica o professor, que também diz que a outra motivação para o exclusão de nomes de agentes negros importantes da história nacional tem haver com a tentativa de embranquecimento do país. 

Leia Também: Ações afirmativas são aliadas na inclusão

“A identidade nacional construída pela história sempre foi branca. Então sempre escolher figuras e ícones brancos para construir um Brasil que não condiz com a realidade mas condiz com os ideais e com a caracterização racial da elite econômica e política, que é branca”, comenta.

O historiador cita, dentre as tantas personalidades pouco reconhecidas, o arquiteto Tebas – que após conseguir sua alforria se tornou um dos arquitetos responsáveis por alterar a arquitetura de São Paulo durante o Brasil Colônia.

Chaguinhas – que foi um cabo do Primeiro Batalhão de Santos durante o Império, e liderou um motim por igualdade e justiça e depois foi morto -, Dandara Palmares – uma líder combatente no Quilombo de Palmares, que lutou ao lado de seu marido, Zumbi dos Palmares, na resistência contra a escravidão

Por último, mas não menos importante, Lélia Gonzalez – que foi uma intelectual, autora, política, professora e filósofa pioneira nos estudos sobre Cultura Negra no Brasil e o papel das mulheres negras. 

Para o historiador Jorge Santana, as figuras negras tiveram um papel importantíssimo para a edificação do país. “No momento que você apaga a Lélia Gonzalez, você apaga a intelectualidade negra. Quando você apaga o Tebas você apaga a contribuição negra na arquitetura do Brasil”, sinaliza.

E isso se aplica a várias outras áreas também, que segundo o professor, contraria um pensamento também originado do racismo. 

“Durante muito tempo se construiu uma história onde os negros só eram importantes em determinados aspectos para retificar a população negra, como no esporte e na música, quando também somos importantes na política, na arquitetura, na engenharia”, desenvolve, citando também a figura de André Rebouças, que foi um engenheiro que também foi um grande articulador do movimento abolicionista e que não usava mão de obra escravizada em seus projetos. 

Leia Também: Série de livros sobre personagens negras no pós-abolição tem download gratuito

Sendo assim, resgatar a memória desses nomes que estão inevitavelmente marcados na história, é assumir um compromisso com o país, algo que o Movimento Negro Unificado (MNU) já faz há muito tempo.

“O movimento negro tem a tarefa de tensionar o poder, os meios de comunicação, as universidades, para esse legado seja valorizado e colocado lado a lado com as figuras brancas que sempre foram colocados nesse lugar de grandes nomes para o Brasil”, afirma o professor que cita outra figura negra relevante. 

Carolina Maria de Jesus autografando seu livro /Foto: Arquivo Nacional
Carolina Maria de Jesus autografando seu livro /Foto: Arquivo Nacional

A escritora Carolina Maria de Jesus, que foi uma das primeiras escritoras negras do Brasil. “Se a gente for pensar que na década de 50 e 60 ela já era uma escritora reconhecida internacionalmente com livros traduzidos em mais de 30 línguas, mas a estátua dela só foi inaugurada este ano, demonstra o quanto ela já era relevante mas o quanto a elite brasileira se recusou a reconhecê-la da forma que ela deveria”, revela.

O historiador conta que é um desafio tirar essas figuras do anonimato, mas que essa luta é responsabilidade de várias frentes, incluindo dentro da sala de aula. 

“Como professor, é trazer essas figuras para os livros didáticos. Mas essas pessoas também precisam estar nas peças de teatro, nos meios de comunicação…enfim, elas precisam ser retratadas em diversas frentes para que a gente possa construir um país que valorize todas as figuras históricas importantes, de todas as raças”, detalha o historiador, que garante que esse movimento é revolucionar a forma com que a história do Brasil é contada. 

Passa por eles terem o prestígio e a visibilidade que eles sempre mereceram e que não tiveram até hoje em um projeto de país branco, racista e alijado da participação negra”, conclui o professor e historiador Jorge Santana.

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

Deixe uma resposta

scroll to top