Estamos em um ano eleitoral e em poucas semanas serão decididos os prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios brasileiros, pelos próximos 4 anos. Pela primeira vez na história, as candidaturas negras têm o mesmo espaço e verba destinadas às suas campanhas, conforme determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), e o NP Dados – Núcleo de Jornalismo de dados do Notícia Preta – fez um levantamento das candidaturas negras às prefeituras das principais capitais do país, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, e uma série de entrevistas foram realizadas com os (as) candidatos (as) aos executivos municipais.
Wanderson Rocha é candidato a prefeito de Belo Horizonte pelo Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Ele é pedagogo, formado pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), mestre em ciências sociais pela Universidade de Coimbra – Portugal. Em 2016, concluiu a especialização em gestão pública pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), quando passou a integrar a legenda. No ano de 2019, Wanderson entrou para a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Rede Municipal de Educação de BH.
Confira a entrevista que o Wanderson Rocha concedeu ao Notícia Preta!
Notícia Preta: Qual a maior dificuldade que uma candidatura preta enfrenta no Brasil?
Wanderson Rocha: Estamos num sistema capitalista em que a concentração da riqueza aprofunda a desigualdade econômica e social. Logo, o processo eleitoral é também excludente para as candidaturas negras, principalmente se escolhem partidos ideológicos comprometidos com as lutas da classe trabalhadora, como PSTU, que foram de apresentarem seus programas por não participarem dos debates e nem do horário eleitoral. O fato de podermos apresentar o nosso programa e nossas propostas e traz como consequência um veto ideológico e o fortalecimento do racismo institucional.
NP: Você acredita que a divisão de tempo de propaganda e verba será real já a partir desta eleição?
WR: Como dito anteriormente, há uma desigualdade da distribuição do tempo que, provavelmente, dificultará a aparição de candidaturas negras, mesmo que seus partidos possuam tempo de propaganda diante da disputa nesta nova estrutura aprovada na reforma política.
NP: A pandemia evidenciou ainda mais as desigualdades no país, como a prefeitura pode superar esse momento, uma vez que a arrecadação caiu drasticamente. E quais ações podem minimizar essas diferenças?
WR: A situação de Belo Horizonte é diferente dos demais municípios, em 2019 teve uma arrecadação de cerca de 11,5 bilhões de reais. O fechamento do 2º quadrimestre de 2020 teve um superávit de mais de 12%, ao se comparar com 2019. A perspectiva do orçamento discutido na Câmara Municipal é de cerca de 14 bilhões. Tal arrecadação não se refletiu na ampliação de políticas públicas de superação da opressão. Na gestão do PSTU, vamos implementar uma política de reparação e geração de emprego em que as empresas consideram as desigualdades oriundas das opressões, conjugadas com a legislação que proíba a desigualdade salarial entre brancos e negros, homens e mulheres.
NP: Os partidos de esquerda sempre tiveram as comunidades como base, com a pandemia, como o partido tem visto a campanha e qual a estratégia para a campanha deste ano?
WR: Não houve quarentena para todos, o setor produtivo foi considerado trabalho essencial, logo fábricas e canteiros de obras funcionaram normalmente, colocando em risco a vida dos trabalhadores e suas famílias. Além da campanha virtual, nós temos visitados fábricas, ocupações urbanas, periferias, vilas e favelas para entregar material e conversar sobre as eleições, garantindo as medidas sanitárias.
NP:Existe um abismo entre a educação pública e privada, qual a proposta para tentar amenizar essa distância entre os universos públicos e privados quando se fala em educação?
WR: Garantir investimento público em educação pública. É inadmissível vivenciarmos o repasse de mais de 1 bilhão de reais da educação para privatização e terceirização como acontece em BH. Vamos fazer uma auditoria para o cancelamento dos atuais contratos.
NP: A crise econômica causada pelo coronavírus afetou o grupo mais pobre da população do Estado. Caso seja eleito, o que será feito para aumentar a renda dessas pessoas?
WR: As limitações dentro deste sistema capitalista são enormes, se por um lado tivemos bilionários aumentando as suas fortunas e os banqueiros socorridos com dinheiro público, por outro lado, os trabalhadores tiveram redução salarial e o desemprego só aumenta. A continuidade do governo Bolsonaro aprofundará a atual crise. Dentro das possibilidades da prefeitura, quando assumirmos a prefeitura vamos implantar uma política de criação de empregos em que as empresas considerem as desigualdades oriundas das opressões conjugadas com uma legislação que proíba a desigualdade salarial. Também, a geração de emprego virá da aplicação de um plano de obras públicas necessárias, como saneamento básico, postos de saúde, escolas a serem construídas por uma empresa municipal de obras 100% pública e estatal, controlada pelos trabalhadores;
NP: Atualmente, temos o governo federal e estadual neoliberal e fundamentalista, como a prefeitura pode agir para manter um diálogo com as outras duas esferas, sem perder sua autonomia e direitos?
WR: Tanto o presidente Bolsonaro e como o governador Zema aplicam medidas ultraliberais que ampliam a desigualdade social e econômica contra o povo trabalhador. Em nossa gestão a prefeitura se tornará uma trincheira na defesa dos serviços públicos e dos direitos dos trabalhadores. Não dá para ter um diálogo com implementa políticas genocidas. As verbas de transferência constitucional não precisam de manutenção de uma “relação” de diálogo.. A criação de conselhos populares serão fundamentais para se construir uma força política nos bairros, ocupações urbanas, vilas e favelas serão fundamentais para se conquistar os devidos investimentos do orçamento federal e estadual.
NP: Alguns partidos de esquerda, aqui em BH, criaram uma frente e lançaram uma candidatura conjunta, por que o PSTU decidiu lançar candidatura própria?
WR: A frente que se constituiu em BH aparenta uma roupagem nova, mas o programa está no marco da conciliação de classe. Precisamos construir um outro tipo de governo, dos trabalhadores, junto de outros setores oprimidos. Temos que ousar, passou da hora de rompermos com a conciliação de classes. O programa, que esta frente defende, está no marco de gerir o capitalismo e as experiências de governar para “todos” não deram certo. É praticamente impossível dizer que é possível garantir os interesses dos trabalhadores junto com os interesses do poder econômico, pois este poder controla o orçamento e as políticas públicas. Romper com esta estrutura é preciso de firmeza. Defendemos que BH seja governada pelas mãos da classe trabalhadora, através de conselhos populares.