“Não houve um instante sem lutas no Brasil e não haverá, até que o racismo desapareça”, diz Jurema Werneck

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Jurema Werneck é Diretora-Executiva da Anistia Internacional no Brasil

O Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial é celebrado nesta terça-feira (21). A data foi instaurada pela Organização das Nações Unidas (ONU), e desde então se tornou um marco importante do combate ao preconceito racial. No Brasil, tanto na data quanto nos primeiros dias do mês, há uma série de eventos e campanhas sobre o tema. 

Para a Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, a criação de um dia dedicado ao enfrentamento ao racismo é extremamente importante. “Marcar uma data de luta é uma forma de reiteração de que todos os dias devem ser dias de engajamento na transformação”, afirma a ativista, que relembra a que episódio a data se refere.

Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck /Foto: Divulgação – Anistia Internacional Brasil

“O dia 21 de março de 1960 é a data do massacre de Shaperville, quando um estado nacional racista, pela mão de seu exército, matou dezenas de pessoas e feriu muitas mais que reivindicavam liberdade e dignidade. Isso aconteceu em 1960 e aquela reivindicação permanece atual em muitas partes do mundo, inclusive aqui no Brasil”

O advogado e pesquisador na área de Direitos Humanos e Relações Raciais, Renato Ferreira, afirma que a data visa submeter os estados partes a acelerar o compromisso com essa luta. “De acordo com a ONU os estados partes devem adotar normas que proíbam a discriminação mas também normas que promovam direitos dos grupos tradicionalmente excluídos”

Mas Renato Ferreira sinaliza que, no Brasil, a movimentação da população negra foi decisiva para o alcance de novas possibilidades. “No caso da população afrobrasileira, principalmente por força do Movimento Negro, uma série de medidas vem sendo adotadas, a partir principalmente da Conferência de Durban em 2001, no sentindo de promover ações afirmativas dentre outras políticas para a população negra”. 

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Jurema Werneck também reafirma a participação da comunidade em prol de um mundo sem discriminação. “A população negra no Brasil, nas Américas e em toda a diáspora africana têm feito isso ao longo dos muitos anos desde a derrubada do regime de escravidão e do tráfico transatlântico de africanos. Não houve um instante sem lutas no Brasil e não haverá, até que o racismo desapareça”.

A ativista ressalta todas as conquistas, desde a derrubada do regime escravocrata, como a criminalização do racismo, o estabelecimento de direitos que alcançam a população negra, tanto na área da educação, mas também na área da saúde e moradia, por exemplo, são obras de muita luta. “O movimento negro e de mulheres negras são os movimentos sociais mais antigos em ação no Brasil”, explica. 

Ainda sim, Jurema Werneck reconhece as feridas que ainda são abertas pela discriminção racial que continua fazendo parte da realidade brasileira, e que há muito o que ser feito ainda, mas não desanima. “Isso fala da potência do racismo e suas armas. Mas fala também que, depois de tantas lutas, falta menos pro racismo acabar!”. 

O advogado Renato Ferreira também afirma que o país passou por tempos de retrocesso nesse campo, e como signatário desse compromisso, o país precisa acelerar a implementação dos direitos, que ele espera que sejam retomados. Nesse contexto, a criação do Ministério da Igualdade Racial e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, são sinais de mudança. 

Advogado Renato Ferreira /Foto: Divulgação

“O governo está sinalizando que essas agendas entram na esfera de responsabilidade, bem como de gestão, do próprio Estado brasileiro por meio de suas instituições. Então, é fundamental entender que, aos poucos, a questão racial deixou de ser um problema somente para o Movimento Negro, mas também para o Estado brasileiro”, explica Renato, que acredita que essas ações precisam ser políticas de estado, e não só de governo. 

Diante disso, e de mais um dia 21 de Março lutando contra a discriminação racial, o advogado completa dizendo que este é o momento em que o Brasil precisa assumir a responsabilidade de promover a cidadania e resgatar a humanidade dos afro brasileiros. “E para isso é fundamental que o setor público, privado e toda a sociedade empenhem esforços nesse sentido”

Pensando em como continuar lutando contra o racismo, Jurema Werneck coloca a mobilização permanente como prioridade, assim como o compartilhamento de ferramentas de proteção e lutas que incluam crianças negras, para que, segundo a ativista, elas “saibam lutar desde a escola e para que entendam que elas são potentes e que podem chegar mais longe do que já chegamos”

Manifestação em luga dos negros brasileiros durante a ditadura militar /Foto: Arquivo público/ Fonte: Agência Senado

E pensando nisso, a ativista também ressalta a importância não só de permanecer se movimentando, mas de se cuidar no processo. “É preciso não desistir de lutar. E, é claro, cuidarmos umas das outras e uns dos outros, porque é uma luta dolorosa”. Para completar, a Diretora Executiva da Anistia Internacional Brasil, que diz se sentir muito bem por fazer parte dessa luta, reafirma o compromisso da instituição nessa mobilização.
“A Anistia Internacional é o maior movimento de direitos humanos do mundo. Não fazemos mais do que a obrigação em reconhecer e agir para o fim do racismo. Fazemos isso sob a liderança dos movimentos que já vêm lutando há séculos pelo fim do racismo. Mas esperamos contribuir para acelerar as ações e medidas que ainda precisam acontecer para que as vidas negras – e os direitos humanos de todas e todos atingidos pelo racismo – sejam valorizadas e respeitadas”.

Outras celebrações

No dia 21 de março também é celebrado o Dia Nacional das Tradições das Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé a partir da Lei Federal 14.519/23 sancionada pelo Presidente Lula em janeiro deste ano. O projeto de lei originalmente apresentado em 2015, definia que a data fosse comemorada em setembro. Mas depois foi alterada para março com intuito de celebrar junto do dia dedicado ao combate da discriminação racial.

A data foi criada, de acordo com a justificativa do projeto, por conta da relevância das religiões de matrizes africanas na formação da nação brasileira, e para a identidade cultural e religiosa do país. Ainda sim, essas religiões são constantemente atacadas.

O II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, publicação organizada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e pelo Observatório das Liberdades Religiosas, mostrou um aumento no número de casos. O levantamento divulgado em janeiro deste ano mostrou que foram registrados 477 casos de intolerância religiosa em 2019, 353 casos em 2020 e 966 casos em 2021.

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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