A Coalizão Negra por Direitos, organização que reúne dezenas de movimentos negros do Brasil todo, repudiou a proposta do Carrefour que pretende criar um Comitê Externo de Diversidade e Inclusão. De acordo com a Coalizão, essa é uma tentativa de “invisibilizar a violência racista que levou à óbito João Alberto Silveira de Freitas”, homem negro assassinado no mês passado, em Porto Alegre.
A organização não deseja fazer qualquer tipo de mediação com o Carrefour e declarou que lutará para cassar o alvará da loja onde João Alberto foi assassinado.
Em nota a Coalizão negra por direitos declarou: “seu mais profundo repúdio à postura adotada pela Rede Carrefour na tentativa de tentar invisibilizar a violência racista” que assassinou João Alberto.
Participam do comitê criado pelo Carrefour: Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde, Silvio Almeida, Ana Karla da Silva Pereira, Maurício Pestana, Renato Meirelles, Ricardo Sales e Mariana Ferreira dos Santos. Segundo o Carrefour, o grupo elaborou algumas prioridades para ações da rede de supermercados, que deverá divulgar um plano mais detalhado na próxima semana.
O grupo foi formado no dia 25 de novembro, quase uma semana após o assassinato de João Alberto e é uma tentativa do Carrefour para conter a crise de imagem da empresa com reflexo financeiro nas ações da mesma , a pós o espancamento que que tirou a vida de João Alberto.
A Coalizão Negra vê este movimento do Carrefour como uma tentativa de tirar o foco da série da série de denúncias de violência e discriminação em seus supermercados e principalmente do assassinato de João Alberto.
Veja a nota da Coalizão Negra por Direitos na íntegra:
A COALIZÃO NEGRA POR DIREITOS, articulação com mais de 150 organizações, coletivos e entidades do movimento negro e antirracista de todo o Brasil, que atuam coletivamente na promoção de ações de incidência política nacional e internacional na defesa dos direitos da população negra brasileira, vem a público expressar seu mais profundo repúdio à postura adotada pela Rede Carrefour na tentativa de tentar invisibilizar a violência racista que levou à óbito João Alberto Silveira de Freitas no interior de uma de suas lojas da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
A referida rede tem reiteradas denúncias de crime de racismo e discriminação racial em suas lojas, através de seu corpo de funcionários e do seu aparato de segurança privada. São diversos casos que não deixam dúvidas quanto ao conhecimento da direção da rede no Brasil sobre o papel ativo do Carrefour em práticas violentas fundadas no racismo. Ao longo do tempo, esses crimes têm sido denunciados, seja através da mídia, ou seja, através das organizações sociais negras, culminando agora neste bárbaro assassinato.
A pronta articulação do Movimento Negro Brasileiro, com ênfase à atuação dos Movimentos que atuam na cidade onde ocorreu o crime, garantiu a ampla discussão nacional e internacional sobre o episódio, pautando na ordem do dia uma incidência de boicote à rede de supermercados. Os dias que seguiram ao caso foram marcados por atos em quase todas as capitais brasileiras. A resposta imediata dos Movimentos evidenciou publicamente a inexistência de qualquer tipo de possibilidade de mediação com quem nos mata e nossa profunda solidariedade à dor da família e respeito às suas decisões.
O retorno do Carrefour não poderia ser mais negativo: inicialmente negou responsabilidade sobre o ocorrido, depois resolveu monetizar a vida interrompida tragicamente de João Alberto com a criação de um fundo de igualdade racial de valor irrisório ao lucro da empresa, e, por fim, buscará escamotear sua responsabilidade via comitê. Nesse sentido, nos cabe reafirmar que não há saídas que não sejam construídas juntos com as organizações do movimento social negro e o irrestrito respeito à família da vítima e sua comunidade, bem como de outras famílias atingidas pelas práticas reiteradas de racismo na empresa. O enfrentamento ao racismo estrutural e as medidas de reparação cabíveis precisam ser feitos na arena pública com amplo debate social.
Nesse sentido, acompanhamos as reivindicacões do movimento negro local, explicitadas pela recém eleita bancada de vereadores negros do município de Porto Alegre, já protocoladas, que solicitam a cassação do alvará de funcionamento da Rede Carrefour no município de Porto Alegre, de acordo com o expresso no Art. 150 da Lei Orgânica Municipal que dispõe:
Art. 150 – Sofrerão penalidades de multa até a cassação do alvará de instalação e funcionamento os estabelecimentos de pessoas físicas ou jurídicas que, no território do Município, pratiquem ato de discriminação racial; de gênero; por orientação sexual, étnica ou religiosa em razão de nascimento; de idade; de estado civil; de trabalho rural ou urbano; de filosofia ou convicção política; de deficiência física; imunológica, sensorial ou mental; de cumprimento de pena; cor ou em razão de qualquer particularidade ou condição.
No fundo, a empresa global Carrefour precisa explicar quais parâmetros tem utilizado na contratação de suas empresas de segurança privada por todo o país. Essas empresas têm sido responsáveis por excessos e violência. Suas práticas violadoras de direitos são frequentemente relatadas por pessoas negras de todas as idades e crescentemente noticiadas nos meios de comunicação. Compreendemos que essas práticas reforçam sistemas de controle, vigilância e suspeição que incidem sobre a população negra, violando seus direitos humanos e perpetuando a violência racial. Assim, transferir esse assunto para a seara da diversidade é tergiversar sobre sua responsabilidade direta na contratação dessas empresas. Por isso, em representação feita por esta Coalizão contra o Carrefour e a empresa Vector Segurança Patrimonial, solicitamos ao Ministério Público Federal e Ministério Público do Rio Grande do Sul a responsabilização dessas.
Seguimos acreditando que não há possibilidade efetiva para a superação do racismo sem a organização política de negros e negras. Reforçamos que o processo de lutas desenvolvido nas ruas são condições fundamentais para impulsionar os processos políticos que construímos. Não acreditamos que qualquer atuação individualizada de sujeitos seja capaz de resolver um problema que estrutura absolutamente todas as relações sociais deste país. Assim como não cremos na ideia de que teremos heróis; nós os cultivamos no dia a dia das lutas do povo negro. Lembremos que Palmares, o Quilombo capaz de desafiar a Coroa portuguesa, foi uma construção coletiva, de homens e mulheres que deram suas vidas à luta por liberdade.