Anielle Franco, ministra de Igualdade Racial, e Carlos Lupi, ex-ministro da Previdência Social, podem ter recebido até R$750 mil por atuar como conselheiros na Tupy S.A., uma empresa privada de capital aberto, durante 1 ano e 9 meses. Sobre essa nomeação, Gustavo Finotti, advogado e Mestrando em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), afirmou que não considera uma postura correta. “Falando no aspecto moral, não me parece correta a nomeação”, disse ele.
Para Finotti a nomeação para um cargo de ministro de Estado vem com grandes responsabilidades e simbolismos. O advogado compreende que, ao assumir um cargo em uma empresa do setor em questão (metalurgia), a simples análise formal de inexistência de conflito de interesses pode não ser suficiente para garantir à sociedade que não ocorrerá, eventualmente, um conflito entre sua função pública e a atividade privada.
“Uma empresa desse porte, tendo Ministros em seu corpo societário, ainda que não relacionados diretamente com a atividade em si, pode eventualmente aproveitar a posição dos conselheiros para fazerem valer seus desejos nas casas legislativas e, junto ao poder Executivo, com eventuais perdões de dívidas de natureza federal”, argumenta Finotti.
A indicação de ministros de Estado para cargos em empresa privada gera debate sobre conflito de interesse entre os meios públicos e privados. Os ministros foram indicados pela BNDESPar, a empresa de participações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Segundo apuração do O Globo, calcula-se que os salário de conselheiros da Tupy seja de R$36,1 mil mensais, os ministros ficaram 1 ano e 9 meses (21 meses) no cargo, podem ter recebido cerca de pelo menos R$750 mil. Além disso, há possibilidade de aumento na remuneração caso os conselheiros participem de comitês internos, podendo chegar até R$ 51.411 mensais.
“Quando se fala em acumulação de cargos, parte-se da preocupação de eventual queda na dedicação da função principal daquele indivíduo. O cargo público ocupado pelos ministros, em razão de sua utilidade social, não pode ser negativamente afetado pela cumulação com o novo cargo de natureza privada. Se a nomeação e, aumento de remuneração, chegam por meio de sacrifício desproporcional da atuação estatal, parece que estaríamos diante de uma indevida cumulação”, analisou.
O que diz a lei
Ministros de Estado, como Carlos Lupi e Anielle Franco, podem integrar conselhos de empresas privadas desde que não haja conflito de interesses e a atividade seja previamente autorizada pela Comissão de Ética Pública (CEP), conforme determina a Lei nº 12.813/2013, art. 5º, inciso X, e o Decreto nº 10.889/2021, que rege a conduta da alta administração federal. Como a Tupy S.A. não possui controle direto da União, a nomeação exigia análise cuidadosa da CEP.
Lupi e Anielle foram nomeados conselheiros da Tupy em agosto de 2023 por indicação da BNDESPar, sem consulta prévia à CEP. A situação foi questionada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 2024, e só então os ministros solicitaram análise ética. A CEP autorizou posteriormente, mas ainda avaliava a possibilidade de abrir procedimento por omissão na consulta.
“Parece ter havido uma grave falha do CEP na fiscalização de suas competências. Ainda que a BNDESPar acreditasse não haver conflito de interesses na nomeação, a já mencionada lei 12.813/13 é bem clara ao informar a competência da CEP para autorizar o exercício do referido cargo mediante nomeação. Caberia a ela, por norma federal, essa fiscalização e consequente autorização de acumulação de cargo”, afirma Finotti.

Justificativa da nomeação
A Tupy é uma empresa especializada na fabricação de componentes em ferro fundido, com produtos voltados para os setores de transporte, energia, infraestrutura e agronegócio. Os acionistas são o BNDESPar com 28,2% , o fundo de pensão de funcionários do Banco do Brasil (Previ) com 24,8%, a empresa de investimentos, Trígono com 10% e acionistas minoritários (ações compradas na Bolsa de valores) possuem 36,9% do controle.
Em nota o BNDES explicou o porque da nomeação dos ministros. A BNDESPAR possui direito a indicação de membros para 34 vagas em Conselhos de Administração, garantidas por Acordos de Acionistas em um total de 27 empresas investidas.
“No caso específico de Tupy, a ministra Anielle Franco, reconhecida liderança da sociedade civil nas temáticas da igualdade racial e de gênero, possui capacitação aderente à política de indicação do BNDES em colegiados, tendo dois mestrados, sendo um no Brasil e outro no exterior”, diz a nota.
Além disso na nota também se justificou que a indicação da ministra era para: “inclusão de mulheres e negros na alta administração de empresas – uma das metas da política de indicação do BNDES em colegiados – em um cenário no qual apenas 19% de mulheres ocupam esse espaço e 3% são negros”.
No caso de Lupi também se justificou pela sua formação em Administração com licenciatura plena em administração, Economia e Contabilidade, pela Faculdade do Centro Educacional de Niterói.
“Lupi tem destacada experiência administrativa no setor público, tendo ocupado diversos cargos executivos e de conselhos, tais como: Conselho Fiscal do SESC, Conselho de Administração do BNDES, Conselho Nacional da Previdência Social, presidente do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e presidente do Conselho Curador do FGTS”, diz a nota.
O NP entrou em contato com as assessorias de imprensa do Ministério da Igualdade Racial, do ex-ministro Lupi e da empresa Tupy. SA, mas ainda não obtivemos respostas.
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