“Não é fácil, temos que provar várias vezes”, diz André Menezes sobre formação em Harvard

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A história de André Menezes começa na periferia de Guarulhos, na grande São Paulo. Naquela época, os objetivos do jovem não incluíam estudar em Harvard e nem trabalhar em uma grande corporação, mas o incentivo ao estudo por parte da mãe, e as oportunidades que atravessaram seu caminho, transformaram sua realidade. 

Quando criança, André conta que não imaginava viver o que vive hoje por conta da falta de referência ao longo da vida. “Eu só via gente parecida comigo nos noticiários como bandidos, mas quando eu procurava referências de sucesso ou de felicidade, a única coisa que eu via eram jogadores de futebol, e por isso eu acabei tendo essa vontade de ser jogador, como muitos meninos pretos”, lembra.

André Menezes durante a formatura em Harvard com o irmão, Paulo Menezes. / Foto: Sarah Kay

Apesar dessa vontade de criança, foi a educação que moldou seu caminho, que, de acordo com André, foi um dos maiores valores que sua mãe passou para ele, e para o irmão mais velho. O jovem, que foi alvo de episódios racistas na escola sendo muitas vezes a única criança negra, também se recorda de ter com sua mãe “aquela conversa”

“Eu lembro que ela falava para mim: a gente vive em um país racista, e o fato de você ser preto vai acarretar em algumas coisas”, conta André, que defende a importância da educação antirracista dentro e fora das escolas, e da retomada de uma narrativa sem romantização. 

“Além da educação antirracista a gente precisa contar a história. A gente não conta a história como ela deve ser contada e nem qual o impacto que todos esses anos que a gente teve de escravidão deixaram no Brasil”, ressalta.

Desigualdade no Brasil

Lidando com a desigualdade resultante da estrutura racista do país, André precisou trabalhar em uma feira, vendendo frutas, para pagar sua graduação. Apesar das dificuldades, o jovem conseguiu se formar, mas deixa claro que não gosta que sua história seja usada como exemplo de meritocracia, já que a ausência de oportunidades não torna o jogo justo para todos.

“Muita gente não sabe que eu tive muitas oportunidades na vida. Então quando eu conto minha história, eu digo que conheço muitas pessoas negras tão inteligentes quanto eu e que não tiveram as mesmas oportunidades que eu tive. E quando falo de oportunidades, digo de chegar alguém e abrir algumas portas para mim, que chegou e me estendeu a mão”.

André Menezes durante a formatura em Harvard /Foto: Sarah Kay

E para mudar o jogo, André afirma que as referências são muito importantes, uma vez que elas permitem que pessoas negras e periféricas tenham autoestima e consigam sonhar. “A gente não consegue sonhar com aquilo que a gente não consegue ver. Eu acho que se você não consegue ver pessoas negras nos lugares, isso afeta muito. Isso afeta a construção dentro das pessoas negras”, explica André.

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Mas as referências também podem ser diversas. Uma das referências para André ao longo de sua caminhada, foi o grupo Racionais MC que representou a força para seguir adiante. “Em vários momentos que eu tive que trabalhar na feira, quando minha mãe faleceu, quando as coisas estavam muito difíceis, as músicas deles me colocavam muito pra cima”

Essa força possibilitou que André não desistisse, e hoje trabalha como gerente de programas dentro de uma instituição financeira. Para ele, a melhor maneira de fazer com que as pessoas enxerguem potência dentro das comunidades para dar oportunidades para os talentos que lá residem, é ter mais pessoas negras em cargos de liderança. “Conforme você aumenta o número de pessoas negras em posições de poder e sucesso, isso naturalmente começa a acontecer”.

Após a graduação – na área de turismo -, da transição de carreira para a área de Tecnologia da Informação (TI) com um curso MBA no campo, e uma formação em inglês, a vida de André começou a mudar, e ele começou a ansiar por novos ares que fossem além do território brasileiro. 

Trajetória até Harvard 

Quando decidiu que queria estudar em uma das universidades de maior prestígio do mundo, André começou a pesquisa por conta própria sobre como ingressar na Universidade de Harvard, mais especificamente na Harvard Extension School, que de acordo com André, era mais flexível quanto ao estudo online, o que facilitava coordenar os estudos do mestrado, com o trabalho. 

Uma vez decidido o que e onde estudar, André precisou fazer uma prova de proficiência de língua inglesa, e tirar uma nota mínima para se inscrever no curso. Os próximos passos envolviam mandar a nota da prova e os documentos – histórico escolar, de faculdade, diplomas em inglês – para Boston, nos Estados Unidos, para seguir com o processo seletivo.

Após a avaliação do material e a correspondência com os créditos solicitados pela instituição, o aluno precisa fazer três matérias iniciais como experiência. “Eles fazem isso para entender se você vai conseguir, depois que você aplicar e for aceito, sentar na sala de aula e consumir as outras matérias”, explica. 

Foto: Sarah Kay

Em 2017, André iniciou seus estudos em Harvard, ao se mudar para os Estados Unidos, mas voltou para o Brasil em 2018, e continuou os estudos online, principalmente após a pandemia da Covid-19, em 2020. Para o gerente de programas, a experiência foi transformadora, mas também desafiadora. 

“É tudo em inglês, não é nossa língua nativa, então pra mim foi bastante desafiador tanto essa parte de fazer os debates em sala, mas também escrever artigos em inglês já que eles têm as normas deles”. Mas para além da linguagem e da cultura, André esbarrou em outras diferenças, até mesmo com outros brasileiros que também estudaram em Harvard.

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O gerente de programas destaca que, em um encontro entre brasileiros formados em Harvard – que aconteceu no Rio de Janeiro -, muitos ex-alunos puderam dar uma pausa em suas vidas para se dedicar exclusivamente aos estudos no exterior, diferente dele, que até chegou a dar uma pausa de cerca de um ano nos estudos. 

“Eu, infelizmente, não tive esse privilégio. Eu tinha que continuar trabalhando por uma questão de me sustentar e ajudar o meu pai”, explica o gerente de programas que hoje já possui o título de Master of Liberal Arts (ALM) in Extension Studies, field of Management (Mestre em Artes Liberais com foco em Administração). 

Referência e pretos no topo

Após as dificuldades que enfrentou e as conquistas que transformaram sua vida, André Menezes diz se sentir feliz e realizado com o resultado, e compreende o papel que pode ter na vida de outras pessoas negras e periféricas como ele. 

“Hoje eu entendo que por conta da minha história e trajetória eu sou uma referência, onde as pessoas olham e pensam: é possível. A gente sabe que não é fácil, a gente sabe que temos que nos provar várias vezes, mas sim, a gente consegue chegar lá”, avalia.

Por isso, André também se coloca à disposição para ajudar quem pretende trilhar um caminho parecido com o dele, dar dicas e mentorar quem gostaria de trabalhar em grandes corporações. Pensando nisso, já existe um rascunho de um projeto com esse viés – com mentoria e suporte – para jovens que estejam próximos de prestar vestibular e passar por processos seletivos. 

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Enquanto o projeto não toma forma, uma dica que André Menezes acha importante para jovens negros de periferia que sonham com um futuro de sucesso e que estão lutando por ele agora – a partir de uma fala de Sueli Carneiro – é “não deixe que o racismo te transforme naquilo que ele acredita que a gente é”, e procurar pessoas que te inspirem e te ajudem nessa trajetória. 

Pensando nisso, André conta que se sente muito feliz com suas conquistas, mas que sua história é contada por ser um ponto fora da curva, e que espera que ela seja vista como forma de reflexão. E para o futuro, o atual gerente de programas quer se manter na carreira corporativa e tornar-se um agente de transformação.

“Eu sinto que eu consigo impactar mais, ajudar mais a nossa coletividade, pois eu sei que a minha ascensão não representa a vitória da nossa comunidade. Então eu quero cada vez mais contribuir”, finaliza André.

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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