Afroempreendedora inova mercado de lingerie com a Trucss, marca voltada para mulheres trans e travestis

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A empresa Trucss, fundada pela afroempreendedora Silvana Bento, em 2017, está inovando o mercado de lingerie com a criação de calcinhas para mulheres trans e travestis. Do protótipo idealizado em 2016 ao produto final – lançado em 2017, foram muitos os desafios; mas nenhum deles capaz de fazer a ex-técnica em hemoterapia desistir do seu objetivo: ajudar a população LGBTIQIAP+ e contribuir para melhores condições de vida para esta população.

Afroempreendedora Silvana Bento criou marca voltada para a população LGBTIQIAP+ Foto: Divulgação

Foi trabalhando em hospitais particulares de São Paulo que a técnica em hemoterapia, Silvana Bento, passou a ter conhecimento dos problemas de saúde enfrentados por esse público. Intrigada com o perfil recorrente que atendida, ao realizar pesquisas entre as pacientes e o corpo médico, Silvana descobriu que “a técnica de “aquendar” fazia com que mulheres trans e travestis evitassem ingestão de líquidos e ficassem por horas sem urinar para manter a bandagem presa ao corpo. Por consequência, muitas delas ficavam desidratadas e adquiriam infecção urinária, culminando, em alguns caos, na necessidade de hemodiálise e cirurgia renal. Presenciar o falecimento de umas das pacientes impulsionou a Silvana na busca por soluções.

A partir de então, Silvana Trucss idealizou uma calcinha com uma bolsa onde a genitália masculina é acomodada sem prejudicar a saúde e sem marcar a roupa. Hoje, a empresa traz diferentes modelos e tamanhos, pensados também para o público infantil, a partir da procura dos pais das crianças.

O reconhecimento como empreendedora após a saída do regime de trabalho formal não foi imediato.  Apesar de sempre ter havido o desejo de iniciar um negócio próprio, Silvana declara que nos primeiros anos se identificava como “desempregada e vendedora de calcinhas”. Do protótipo aos modelos atuais, vários testes foram realizados. A própria empreendedora fotografava e analisava as peças e, posteriormente, indicava à designer as mudanças necessárias.  Os modelos de prova, indicados por sua filha e atual sócia, recebiam à época R$100,00 por teste.  

Além da inexperiência empresarial e do desconhecimento sobre costura, a dificuldade financeira foi mais um dos desafios. Para realizar seu propósito, Silvana saiu do hospital com uma mão na frente e outra atrás. Mas seu sacrifício não foi em vão. Dando seguimento ao impacto social da empresa, a Trucss, em parceria com a Onu Mulheres, irá iniciar em São Paulo, na região da Sé, um atelier de moda voltado à profissionalização de mulheres trans, onde será ensinado corte e costura.

Ateliê será inaugurado em breve. Foto: divulgação

Atualmente, a marca luta pela distribuição gratuita de uma das suas modelagens pelo SUS (Sistema Único de Saúde), enquanto outras modelagens, incluindo moda praia, continuarão a ser comercializadas nas lojas.

Silvana Trucss não é apenas proprietária de uma empresa no mercado de lingerie; é uma mulher cis, negra, periférica que patenteou um produto inovador. A afroeempreendedora se vê como “realizadora de sonhos”, principalmente o sonho de mulheres trans e travestis irem à praia com tranquilidade e se sentirem bem com qualquer roupa, sem prejudicar a própria saúde. “Corra atrás do seu sonho independentemente da situação, porque se formos esperar a situação melhorar para empreender não iremos alcança-lo”, conclui.

Ateliê será lançado em parceria com a ONU Mulheres. Foto: Divulgação

Censo Trans

A ausência de dados estatísticos que contribuam para ações de políticas públicas voltadas para a população LGBTQIA+ continua a ser um desafio ainda hoje. Em 2016, ano em que a Trucss foi patenteada, não havia a obrigatoriedade de uso do nome social por parte das instituições. Desta forma, o reconhecimento deste público só ocorria através da autodeclaração. Nos hospitais em que trabalhou, por exemplo, Silvana recorda ter atendido apenas uma paciente negra.

Dia 28 de junho deste ano, Dia Internacional do Orgulho LGBTQIAP+, a Rede Trans Brasil divulgou o lançamento dos dados do Censo Trans. A pesquisa, que começou em junho de 2017, na cidade de São Paulo, “é um produto da várias mãos de pessoas travestis e transexuais que arregaçaram as mangas no intuito de produzir um conjunto de dados e reflexão sobre o perfil socioeconômico e de violência enfrentadas no Brasil”.

Em 2021, o Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTQIAP+ no Brasil, indicou um aumento de 33,3% em relação ao ano anterior. O documento, resultado da parceria entre Acontece Arte e Política LGBTQIAP+, Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intjersexos, aponta, por meio de uma base compartilhada entre essas instituições, que travestis e mulheres trans é o segundo grupo mais violentado do país, com 44,62% dos casos; precedido por homens gays, com 45,89% dos casos. 

As entidades chamam atenção para indícios de subnotificação devido a ausência de dados governamentais para a elaboração do dossiê, já que o levantamento de dados fica a cargo do reconhecimento da identidade de gênero e da orientação sexual das vítimas por parte dos órgãos que reportam as mortes, muitos casos não entram na contabilização.

Registro de marcas e patentes

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é a autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria.   

Para quem cria um produto ou processo inovador  indica-se pedir a patente ao INPI para que terceiros não possam produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar sem o  consentimento do proprietário da patente.

É recomendável também o registro de marca, nome ou imagem que identifique um produto ou serviço. Este registro garante ao proprietário o direito de uso exclusivo da marca no território nacional em seu ramo de atividade por dez anos, podendo ser prorrogado por igual período.

Por Luana Arah

Luana Arah

Luana Arah

Atriz, roteirista, pesquisadora sobre construção de discursos e de identidades negras no audiovisual. Ma. em Relações Étnico-raciais e Esp. em Artes Cênicas, com experiência em Teatro, Cinema e séries; fomenta o PrEtagonismo, atuando em trabalhos de diferentes formatos e linguagens, como forma de promoção de igualdade e combate ao racismo.

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