Por: Jéssica Silva de Oliveira
Advogada Civilista
Quando uma mulher branca afirma que não permitirá a entrada de um entregador negro em seu condomínio de luxo, estamos diante de uma ação individual racista que muito provavelmente será classificada como injúria racial. É uma conduta grave? Óbvio que sim.
Por outro lado, quando um estabelecimento comercial possui uma política de abordagem seletiva, onde apenas pessoas negras são perseguidas por seguranças, acusadas de furto e até mesmo mortas, sem dúvidas estamos diante da institucionalização de práticas racistas na cultura desta empresa, que coloca as vidas de todo um grupo racial em risco ao definir esse grupo com o perfil de “suspeito padrão”.
(In)Felizmente já chegamos em um ponto da luta antirracista em que está mais que comprovado que o racismo ultrapassa os limites de ações individuais, sendo urgente uma mudança nesse cenário de condescendência com práticas racistas que estruturam a sociedade e perpetuam estereótipos sociais em relação à população negra.
O problema é que, mesmo quando são implementadas medidas com o intuito de reparar as desigualdades históricas entre brancos e negros, como a divisão proporcional dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda na TV e no rádio, essas ações afirmativas se tornam alvo constante de burla, colocando em risco sua efetividade.
Prova disso é o aumento significativo de candidatos que se autodeclararam como negros, sendo a primeira a vez na história que superaram o número de candidatos autodeclarados brancos. Ou você acha mera coincidência que 40% dos candidatos que se autodeclararam brancos nas eleições de 2016, tenham alterado suas respectivas declarações de raça e cor para preto e pardo, justamente quando os partidos políticos são obrigados a ampliar a representatividade negra na disputa deste ano?
Talvez a saída para evitar fraudes neste caso, seria a criação de comissões de heteroidentificação onde os candidatos seriam submetidos à avaliação de fenótipo (características físicas) para confirmar a autodeclaração. Afinal, ser filho de uma mulher negra baiana não te faz uma pessoa negra, como argumentou o empresário João Paulo Demasi, ao justificar sua autodeclaração como preto. O nome disso é afroconveniência.
A conclusão que se chega é que, seja através de ações individuais ou práticas estruturantes, o racismo sempre encontra formas de se renovar, sendo necessária muita resiliência e estratégia de sobrevivência em uma sociedade que insiste em não reconhecer e, principalmente, quitar a dívida histórica com a população negra.
Em tempo, quer saber quem é negro ou não? É só perguntar para a elite dos condomínios de luxo ou para os seguranças do mercado Extra.