Por Gabriel Ferreira e Jader Theóphilo
O mineiro Djonga segue fazendo história na música nacional. Depois dos grandes sucessos, que firmaram o nome do rapper como um dos principais da cultura Hip Hop desta geração, Heresia (2017), O Menino Que Queria Ser Deus (2018) e Ladrão (2019), Djonga lançou, na última sexta-feira (13), às 18h, no Youtube – agora já disponível também em outras plataformas – o seu quarto álbum de estúdio, intitulado Histórias da Minha Área.
Assim como nos outros anos, em poucos dias, o disco já é um sucesso. O compilado, que conta com 10 faixas, até o momento, já registrou 8 com pelo menos um milhão de views no Youtube. Além disso, pouco tempo depois das músicas serem lançadas, ele ficou em primeiro lugar nos assuntos mais comentados do Twitter.
Seguindo a proposta de tornar sua arte mais acessível ao público, o lançamento foi feito no YouTube, que, segundo Djonga, é onde mais gente do país consegue ter acesso. Se para alguns isso poderia dificultar o bom desempenho nas plataformas de streaming, com o rapper isso não se aplica. No Spotify, por exemplo, em menos de 24 horas “Histórias da Minha Área” já ultrapassava a marca 1 milhão de reproduções.
Confira algumas reações do público nas redes após o lançamento do álbum:
Confira Histórias da Minha Área faixa a faixa:
O cara de óculos
“Nem é cedo demais pra saber que a vida é desgraçada aqui/ Meu filho, amor tem dessas coisas rudes”, são com esses versos iniciais que o novo álbum de Djonga ganha o mundo. Interpretado brilhantemente pela cantora e atriz Bia Nogueira, que repete a fala do musical “Madame Satã”, peça que inclusive o rapper contracenou com a cantora em 2015, quando se juntou ao Grupo dos Dez.
Com a produção de Coyote Beatz, as rimas chegam dando a exata “localização” e temática do disco. “cê só vai ser o maior do Brasil, depois que for o maior da sua rua”
Não Sei Rezar
Com dor, raiva e saudade, a segunda faixa do álbum apresenta uma homenagem aos amigos que perderam a vida ao longo da jornada de Djonga. É o dialogo perfeito com a capa de “Histórias da Minha Área”. Além disso, é uma narrativa que infelizmente é comum entre grupos de jovens negros e periféricos no Brasil. Afinal, de acordo com o Atlas da Violência 2019, 75,5% das vítimas de assassinatos no Brasil são negros.
Oto Patamá
“Sou história na minha área/ Orgulho de onde eu vim”. É com a terceira gravação do disco que o artista mineiro fala da correria para trabalhar, dedicação, conquistas. Além disso, é possível notar uma inquietude na vontade de expor seus versos.
Todo Errado
A primeira faixa romântica, com pitadas de atitudes malandra do compilado, traz Djonga reconhecendo erros em meio a um relacionamento conturbado, mas com afeto. “Esse disco é bom porque tem até música de corno”, comentou o rapper em sua conta no Twitter. “Te quero bem, mas sou todo errado, todo/ Tentei ser bom, mas sou todo errado, todo”.
Gelo
A parceria entre Djonga, NGC Borges e FBC é o primeiro “descolamento sonoro” em relação às outras faixas. O que não quer dizer que a canção não se encaixe muito bem com o restante do álbum. Embora, a produção soe mais como uma gravação do “Padrim”, último disco de estúdio do FBC, a música funciona e fecha bem a primeira metade do compilado.
Hoje Não
“Hoje Não” é uma música um tanto quanto simbólica, pois é o único videoclipe do álbum e carrega elementos que, “semioticamente falando”, expressam muito da realidade de milhões de negros e negras no Brasil. Ao longo da canção, Djonga escancara uma característica forte da racista sociedade brasileira: a descrença na conquista e a necessidade de reafirmação constante dos negros. Enquanto dirige um Porsche e canta os versos “O doc tá no meu nome / É o que te deixa puto/ Só pode ser brincadeira / Começa a perguntar/ Tem coisa errada na fita/ Filhão, cê tá com quem? Sou eu por eu, doutor”, o rapper é abordado e se vê na mira de uma arma de fogo, conclamando a importância de se refletir sobre o porquê da vitória do nosso povo incomodar tanto o sistema.
Ironicamente, no refrão da música, Djonga – que está à frente e sabe disso – avisa que está “tirando o pé pra ver se os otário” o alcançam. E não vão. Porque “Hoje Não” é dia de políticas genocidas destinadas à população negra, uma outra questão abordada pelo rapper. Na música, Djonga usa os nomes de Jennifer, Cauã e Ágatha, crianças negras que foram vítimas “de bala perdida” no Rio de Janeiro. Para fundamentar cada vez mais sua crítica, o clipe se passa com uma menina negra que vai à escola, enquanto a mãe reza pela sua volta em segurança. Policiais, sem os rostos à mostra (uma enorme referência ao que acontece cotidianamente nas favelas), invadem a comunidade onde a garotinha mora com a mãe neste período e apontam as armas para o veículo que a trazia de volta para casa. Mas “Hoje não”. Algumas pessoas negras saem e impedem que mais uma atrocidade aconteça.
Mania – part. Mc Don Juan
Garantindo-se como um dos melhores rappers dessa geração, Djonga expressa em “Mania” a arte de passear em diferentes temáticas, tendo a capacidade de ser tocante e marcante em todas. Neste “lovesong”, que conta com a participação de MC Don Juan, tem a mescla de rap acústico com funk e a letra composta com um jogo de palavras que garantem uma riqueza absurda, como “Tu me mima e me mama” e é o “poder sem pudor”.
Procuro Alguém
Nessa canção, Djonga traz mais algumas importantes reflexões. Uma delas é acerca da importância de se escolher bem quem caminha com você e/ou os motivos que devem fazer você se permitir ser escolhido para caminhar com alguém. Como prova disso, o rapper deixa claro que procura alguém “que não se importe se homens usam salto ou sapato”, “alguém que ame pessoas e só use coisas”, alguém que faz “a coisa certa mesmo que julguem errada” e alguém que o lembre que restaurante gourmet é até bom, mas arroz, feijão e ovo é o prato do povo. O motivo pela busca de tais características, é claro, se resume naquilo que o rapper, desde o seu primeiro álbum, busca enaltecer bastante: suas raízes. E, quando falamos delas, não nos referimos somente as que foram fortificadas por alguém para que ele alcançasse o mundo, mas também por ele para que, principalmente seus filhos, alcancem também. E o refrão não me deixa mentir:
Ioiô ioiô ioiô
Ioiô ioiô ioiô
Ioiô ioiô ioiô
Ioiô
Sinônimo de amor
“Ioiô” faz referência à Iolanda, filha de Djonga, de quatro meses. O rapper já era pai de Jorge, de 4 anos.
Deus Dará – part. Cristal
A nona música do álbum é marcada por uma atributo caricato bastante – e bom, diga-se de passagem – lembrado nas obras do rapper, que é a importância do fortalecimento coletivo do nosso povo e a importância da ancestralidade nesse processo. Versos como “Deus entregando com uma mão, nós divide com a outra/ Mantendo uma sempre livre você recebe mais/ Tem pra comer e ainda sobra pros kit, pras roupa e Meus passos vêm de longe e me trouxeram aqui/Dos preto que já se foram e que tiveram que partir/ Pelas irmã que tiveram que desistir/ Nos tira o chão, nós cria asa, fé não vai tirar de mim/ Abençoada por meus ancestrais” expressam isso.
Amr Sinto Falta da Nssa ksa
Para fechar com chave de ouro, Djonga expressa em “Amr Sinto Falta da Nssa Ksa” as dificuldades de fazer o que ele faz, de ser o que ele é. É uma espécie de despertador que demonstra para quem quer alçar voos como o dele, representar como ele, lutar como ele, vai precisar abrir mão de muitas coisas. “Segurando o nó na garganta/Pra não fazer dilúvio na cena/Evitando falar de problemas pessoais/Pra que consumam porque é bom, pô, e nunca por pena/ […] Perguntam como, não é o que eu canto, é como eu canto/ Eu como o canto, eu vivo isso 24 hora”. Além disso, expressa, também, que o esforço de todo “corre” valeu a pena. Aos 25, tudo na mão, deixei a família bem, é/ Como que não emociona?”