Sua pouca idade não deixa de mostrar o quanto a diretora musical, Beà, é afortunada por mentores que tornaram sua relação com a música e a arte ainda mais vívida. Aos 24 anos, a carioca da gema, nascida na Região da Lapa, contrabaixista, sonoplasta, compositora e diretora musical, é pelo segundo ano consecutivo, indicada ao Prêmio Shell de Teatro, uma das mais importantes premiações do segmento no país, na categoria música, desta vez pelo espetáculo “Meus Cabelos de Baobá”, que está em cartaz às sextas e sábados às 20h e domingos às 19h no Teatro Laura Alvim, até 22 de dezembro. No ano passado, em 31 anos de existência da premiação, ela se tornou a primeira mulher negra a ser indicada na categoria, pelo Espetáculo ‘Esperança na Revolta’, da Confraria do Impossível.
“Sou de 95, e naquela época a grande febre era o Mamonas Assassinas, eu era fanática por aquela guitarra, aqueles sons.. E no auge dos meus 6 anos, já queria uma guitarra! Minha mãe me deu aos 11 anos uma e minha avó pagou aulas pra mim. Mas foi um homem preto, artista de rua, que me aconselhou a experimentar o violão primeiro. E a partir dali, tudo começou”, frisa.
A indicação do prêmio, agora por “Meus cabelos de Baobá”, que tem como uma das características a mulher negra em lugar de articulação, pois além da música, elas estão a frente da atuação, produção, direção, e é um marco não só no quesito representatividade e lugar de fala, “é um conceito de vibração ancestral”, desde a Ana Paula Black que traz a voz dos ancestrais vivos da rainha Dandalunda, até a contação da história pela protagonista Fernanda Dias e a direção de muita classe, leveza e afeto e da Vilma Melo, a primeira atriz negra a ganhar o Prêmio Shell de Teatro que agora assina a direção. “Nesse espetáculo a gente se identifica com o que é dito, porque em algum lugar a gente passou por isso, a gente vive esse lugar e todas nós queremos existir lá”, conta.
Mesclando entre o autodidatismo e o encontro com professores como a musicista e professora comunitária Regina Rocha e o produtor Marcelo Daguerre, responsável por sua imersão no mundo da produção e direção musical, Beà, encontrou no baixo o som “que parecia o útero da terra”, e neste som, se deixou ficar. O caminho de estudo do baixo e dos outros instrumentos que toca não foram fáceis, “Foi um processo muito doloroso, tive um professor que dizia para os meninos que estavam tocando mal, que eles pareciam mulherzinhas. Eu era a única mulher da sala naquela época e fui também a única que ficou até o fim do semestre com aquele professor”, desabafa.
Além da quebra de barreiras raciais, de gênero e de faixa etária da premiação, já originados das influências matriarcais da sua família, são a potência, noção de pertencimento e juventude os fatores mais magnéticos na artista. As composições, que começaram aos 11 anos, trazem até os dias atuais, as influências ancestrais, oriundas não só dos tambores de candomblé, da música minimalista e da beleza do blues, como conta, mas também de artistas como Richard Bona, Sona Jobarteh, Cartola e Mc Marcinho. A também integrante, preparadora vocal e responsável pelos arranjos melódicos e harmônicos do grupo Dembaia, acredita e afirma que a vitória de um igual é uma vitória coletiva. “Quando a Larissa Luz ganhou com Elza no ano passado, comemorei junto. Era como se eu também tivesse ganhado, afinal, no momento político que a gente tá vivendo, nosso momento enquanto pretos que tem toda uma ancestralidade, ninguém ganha. São todas essas mulheres que vivem as mesmas coisas pra estudar música, afinal, somos potência de Orunmilá, somos potência do universo”, afirma.