“Aquilombamento é reunião de forças entre professores, alunos e responsáveis”, diz a professora Joana Oscar

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Promover uma educação antirracista consiste em inserir o esforço contra a descriminação racial nos processos educacionais. Tornar a luta antirracista parte estruturante dos ensinamentos que são passados, independente da área. Mas, a partir de quando ela pode ser inserida? Como e em qual ambiente ela pode ser transmitida? 

A professora Joana Oscar leciona na rede pública do Rio de Janeiro – Foto: Arquivo Pessoal

São muitas perguntas, e para responder algumas delas o Notícia Preta conversou com a professora da rede pública municipal de ensino do Rio de Janeiro, especialista em educação das relações étnico-raciais pelo CEFET, mestre e doutoranda em educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Joana Oscar.

Mulher negra lecionando há 21 anos, Joana acredita, a partir do relato de mães negras, que antes mesmo do bebê nascer, a construção de um ambiente racializado é mais complicado, citando, por exemplo, a ausência de bonecas negras ou decorações com personagens negros. Por esse motivo, a professora considera de extrema importância começar a educar de forma antirracista o mais cedo possível.

“O antirracismo deve ser trabalhado desde a tenra idade, porque os referenciais positivos ou negativos a partir de uma perspectiva de racialização estão presentes na sociedade”, explica a especialista, que garante que essa responsabilidade não se limita à família.

“Ela [educação antirracista] precisa estar dentro das escolas, até como uma política reparatória, haja vista que a há leis e normativas que comprovam a existência de políticas públicas que impediram e negaram educação pública aos indivíduos negros no período pós-abolição”, relata Joana, que diz que a escola é a chave para construir narrativas que não são ensinadas, mesmo com as leis 10.639/03 e 11.645/08, que falam sobre a obrigatoriedade de ensinar a temática “História e Cultura Afro-Brasileira” nas escolas.

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Para a professora, as leis em questão, assim como a Lei de Cotas, são um marco na história de políticas públicas reparatórias e representam uma grande conquista do Movimento Negro Unificado (MNU) e, por isso, Joana acredita que a ideia de que a iniciativa que completa 20 anos em 2023 “não pegou”, precisa ser combatida para não invalidar a luta. “É cair na armadilha do racismo estrutural para invalidar todas as ações empreendidas a partir da sua promulgação”

“É nosso dever defendê-las. Para defendê-las é preciso conhecê-las, humanizá-las. Humanizá-las significa compreender contexto histórico, social, político em que foram criadas e, principalmente, que atores estiveram envolvidos nesse movimento“, completa.

É fundamental demarcar a importância da Professora Petronilha Beatriz como relatora do parecer do Conselho Nacional de Educação 3/2004 que institui as Diretrizes Curriculares para a implementação da Lei 10.639/03 e antes ainda, entender o contexto de atuação do Movimento Negro em torno da agenda de educação”, pontua.

As crianças são parte do processo de educação antirracista – Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A mestre em educação concorda que quanto à aplicabilidade, ainda existem desafios a serem superados, mas exatamente por isso é importante a união entre pessoas negras. “Assim como a branquitude tem seu pacto, precisamos também criar nossas redes de fortalecimento e apoio”.

E dentro da ideia de consolidação coletiva, a especialista em educação das relações étnico-raciais cita o trabalho feito pela Gerência de Relações Étnico – Raciais, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de Janeiro, da qual ela faz parte. 

“Há 1 ano e 10 meses estamos trabalhando para fazer ecoar essas vozes nas discussões de reforma curricular, na ampliação de referências teóricas, históricas e metodológicas por intermédio dos materiais pedagógicos, das videoaulas e formações para os profissionais da Rede”, conta a professora.

Agentes da transformação

De acordo com a professora Joana Oscar, a maior parte dos agentes comprometidos em propagar a causa antirracista por meio da educação são os professores negros, mas ela garante que essa tarefa não deve ser condicionada apenas a eles. Porém, a forma com que esses profissionais abordam essa temática é particular.

“São os professores que, uma vez em sala de aula, são atravessados pelas memórias e mazelas que o racismo lhes imputou durante o seu percurso escolar e, inicialmente, de forma intuitiva e sensível, passa a agir com uma postura questionadora, combatente frente às vivências do cotidiano”, coloca a professora, que também faz um alerta sobre a atuação dos profissionais da educação. 

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Joana explica que o professor pode ser acusado de “legislar em causa própria, ser chato, militante, mimimi”, que, de acordo com Joana, é mais um dos recursos do sistema racista de neutralizar as ações tocadas pelos profissionais, a partir da formação.

“O professor que vai se instrumentalizar sobre como desenvolver um projeto para a educação das relações étnico-raciais fura a bolha dos conhecimentos limitados ao currículo hegemônico e passa questionar esse currículo a partir de epistemes negras. Descobrir que se pode falar de qualquer área de conhecimento a partir de experiências e conhecimentos afro-indígenas é libertador”, afirma a professora.

Joana também destaca que apesar do papel fundamental do professor no ensino antirracista, esta é uma missão para ser cumprida em conjunto. “O aquilombamento é reunião de forças entre professores, alunos e responsáveis. E isso nem sempre vai se dar dentro da unidade escolar, mas saber que você não está sozinho é um grande diferencial”.

Como transformar e os impactos da educação antirracista

Mestre e doutoranda em educação, Joana conta que a forma com que os profissionais da educação podem se preparar para desenvolver uma educação antirracista é combinar o letramento racial a partir das vivências pessoais com a formação sobre o tema, que pela complexidade, pode ser difícil de ser transmitida.

“Os conteúdos antirracistas não são paralelos ao currículo, eles são uma espinha dorsal, porque eles se referem às identidades dos sujeitos. O simples fato de realizar um censo escolar e analisar esses dados é um grande passo antirracista, justamente porque muitas políticas educacionais vêm sendo desenhadas para contemplarem um ‘ideal’ de aluno. Descobrir quem é nosso aluno ‘à vera’, seu nome, sua idade, sua cor, seu gênero, seu território e a história que ele traz consigo para dentro de sala é muito potente”.

Ainda de acordo com ela, o ensino antirracista não é simplesmente passado para os alunos. Para a professora, que cita Paulo Freire – patrono da educação brasileira – como referência, o ensino é construído junto com os estudantes. Dessa forma, promover a educação antirracista passa por viabilizar o acesso às informações sobre o tema. 

“Educar é uma tarefa coletiva e política. Precisamos ter consciência do nosso papel como educadores para mediação da construção de conhecimento dos alunos, ofertando-lhes um vasto repertório que permita que todos se desenvolvam de forma plena, além de garantir que tenham iguais oportunidades de aprendizagem”

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E para isso, Joana indica uma maneira de coletivizar o ensino e a aprendizagem sobre o antirracismo, que segundo ela, “envolve essa condição de ser um eterno aprendiz. Um ótimo caminho é pesquisar as curiosidades dos alunos sobre os temas, envolvendo-os na pesquisa, no debate, na contraposição de ideias, desde a educação infantil”, explica a professora.

Olhando para sua própria experiência enquanto aluna, Joana explica a importância de levar o antirracismo para sala de aula e para o cotidiano de crianças e jovens.

“Como mulher negra, lembrar da Joana pequena, aluna negra,  ainda me dói. A escola tem um demarcador fortíssimo na exclusão dos nossos corpos, da nossa beleza, da nossa inteligência…Então, hoje, poder contribuir para que as crianças negras e não negras recebam um material diverso em que todas as crianças tenham condições de existência, tem sido meu propósito de vida”.

A professora destaca as ações promovidas pela rede municipal de ensino do Rio de Janeiro, que vão desde a diversidade do repertório das salas de leitura até cursos de formação de professores, e os impactos que elas geram.

“Os ganhos reais é que não vamos acabar com o racismo, mas estamos instrumentalizando nossas crianças para que reajam, reconhecendo seus próprios valores, belezas e histórias. Também reeducamos não brancos, no sentido de que reconheçam seus privilégios e se coloquem como aliados na luta contra as violências e discriminações de cunho racial”, conclui. 

Bárbara Souza

Bárbara Souza

Carioca da gema, criada em uma cidade litorânea do interior do estado, retornou à capital para concluir a graduação. Formada em Jornalismo em 2021, possui experiência em jornalismo digital, escrita e redes sociais e dança nas horas vagas. Se empenha na construção de uma comunicação preta e antirracista.

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