STF sem mulheres negras: não é detalhe, mas projeto

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Deputada Estadual Renata Souza (PSOL RJ) Foto: Caio Oliveira

Por: Renata Souza

A indicação de Jorge Messias para o Supremo Tribunal Federal, anunciada justamente no Dia da Consciência Negra, escancarou uma verdade incômoda sobre o Brasil: somos ainda um país que adora celebrar símbolos, mas hesita em enfrentar as estruturas que perpetuam as desigualdades.

Em pleno Novembro Negro, quando o Brasil homenageia Zumbi, Dandara e todas as lutadoras e lutadores negros, assistimos à manutenção de um padrão que perdura há 137 anos desde a abolição. O espaço mais alto do Judiciário continua majoritariamente masculino, branco e distante da realidade da maioria do povo brasileiro.

São quatro décadas de Constituição e apenas três mulheres chegaram ao STF. Nenhuma mulher negra. Nenhuma. Num país onde mulheres negras são a base da pirâmide social, sustentam o trabalho informal, enfrentam cotidianamente a violência policial e a doméstica, a precarização da vida e o racismo institucional, essa ausência não é um detalhe, mas, sim, um projeto.

Deputada Estadual Renata Souza (PSOL RJ) Foto: Caio Oliveira

Diz-se costumeiramente que “o Supremo é uma Corte técnica”, como se competência fosse monopólio branco e masculino; como se não houvesse mulheres negras juristas, pesquisadoras, defensoras públicas, procuradoras, advogadas de excelência, capazes de ocupar esses espaços com altíssima qualificação. Há muitas. O que não há é vontade política de romper com a reprodução automática dos mesmos perfis no topo do poder.

A ausência de mulheres negras no STF não é apenas um problema de representatividade, mas democrático. Quando o Estado decide que certas vozes simplesmente nunca vão chegar ao lugar onde se interpreta a Constituição, fica nítida a discriminação entre quem importa e quem pode continuar sendo silenciada.

Num país onde a violência obstétrica atinge desproporcionalmente mulheres negras, o encarceramento feminino explode, e políticas públicas ignoram desigualdades raciais e de gênero, é urgente que decisões sobre direitos fundamentais contem com quem vive, pesquisa e enfrenta essas realidades.

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Não se trata de identidade por identidade. Trata-se de justiça, de reconhecer que a democracia brasileira só será plena quando os espaços de poder refletirem a diversidade do seu povo e quando mulheres negras puderem ocupar os lugares que sempre lhes foram negados.

O Novembro Negro deveria ser um momento de afirmação da dignidade e da presença política do povo negro. Neste último mês, vimos, no entanto, novamente, a porta do Supremo se fechar para aquelas que mais lutam para mantê-la aberta.

O Brasil tem uma dívida histórica com as suas mulheres negras. E essa dívida não será paga enquanto o poder continuar como um espelho que se recusa a refletir o país real.

*Renata Souza é mulher negra, cria da Maré, jornalista, doutora em Comunicação e Cultura, deputada estadual (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Defesa soa Direitos da Mulher

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