Obra, de Evandro Luiz da Conceição, será lançado no Ateliê do designer Dih Morais
Minha Estranha Loucura, livro de contos sobre amor LGBTQIAPN+, ganha lançamento em São Paulo no dia 10 de outubro. A partir das 17h, o autor Evandro Luiz da Conceição autografa os exemplares da obra, no ateliê do designer quilombola Dih Morais, localizado no Largo do Paissandú, 72 (sala 2103), no Centro Histórico. A ficção, publicada pela editora Todavia, coloca em cena personagens que pouco frequentam as páginas da literatura brasileira contemporânea: negros, gays, trans periféricos da cidade do Rio de Janeiro. Tudo escrito com graça, malícia, inteligência e empatia.
Seu antecessor mais direto talvez seja o Adolfo Caminha de Bom Crioulo, o clássico do naturalismo que retrata a relação homoerótica entre o marujo (negro) Amaro e seu amante (branco) Aleixo.Se no século XIX o tema sexual e as circunstâncias raciais causavam espanto e até mesmo escândalo; agora, estas histórias do autor carioca prometem trazer à tona outra natureza de assombro: a intrépida leveza e naturalidade com que seus protagonistas — em sua grande maioria homens gays, negros e periféricos do Rio de Janeiro, além de alguns personagens trans — lidam com seus desejos.
São sujeitos absolutamente livres para exercer o erotismo e o amor sem freios, a despeito das dolorosas e persistentes nódoas históricas e sociais que permanecem vivas no Brasil contemporâneo, como o racismo, a intolerância religiosa, o preconceito sexual, a desigualdade de classes, a LGBTfobia e a violência policial.
Toda essa matéria daninha chega a perpassar as histórias de Evandro, não raro dificultando a vida de seus personagens, mas o que salta à vista, com todo colorido, ginga, leveza, inteligência alegre e alguns laivos de pajubá, é mesmo a maneira como esses homens se dedicam ao amor. Uma entrega que não tem
nada de estranha ou de louca — mas sim marcada pela plenitude da vida mais pulsante.
Sobre o autor
Evandro Luiz da Conceição é jornalista, escritor, roteirista e pesquisador. Mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, atua há seis anos como redator de entretenimento na TV Globo. Na emissora, tornou-se referência na cobertura do Carnaval, integra o núcleo de conteúdo da segunda temporada do programa Estrela da Casa e compõe o time de redatores de grandes festivais como The Town e Lollapalooza.
Também participou de produções marcantes como Poesia que transforma, Falas Negras, Orgulho além da Tela, Sobre Nós Dois, Que Marravilha – Chato pra comer!, Criança Esperança, Se Joga, entre outros. Como escritor, iniciou sua trajetória nas oficinas da FLUP, sendo coautor de onze livros em parceria com autores como Ana Maria Gonçalves, Xico Sá, Zuenir Ventura, Elisa Lucinda, Conceição Evaristo,Flávia Oliveira, Sergio Vaz e Paulo Lins. Em 2022, escreveu o roteiro do podcast Lima Barreto: o negro é a cor mais cortante e foi coautor do livro Quilombo do Lima.
No ano seguinte, mediou rodas de conversa na Aldeia dos Caboclos e, em 2024, lançou Cartas para Exu. Adepto das religiões de matriz africana, também publicou Yabás, Mães Rainhas, resultado de um processo formativo que percorreu sete terreiros de candomblé da região metropolitana do Rio de Janeiro. Minha Estranha Loucura (Todavia, 2025), primeiro livro solo de contos de Evandro Luiz da Conceição — inspirado em uma das canções mais emblemáticas da cantora Alcione — foi lançado em noite de autógrafos na Livraria Travessa de Botafogo, no Rio de Janeiro recentemente. A obra reúne histórias de homens gays, negros e periféricos, além de personagens trans, que vivem o amor e o erotismo sem amarras, afirmando sua existência em meio às feridas ainda abertas do Brasil: racismo, preconceito, intolerância, desigualdade e violência.

Um spoiler do trecho do conto que batiza o livro: Minha estranha loucura
Parece que se conheceram há três anos num inferninho gay do Baixo Lapa. O dia já estava clareando, e a dona da casa baixava as portas com a cara amarrada, colocando as cadeiras em cima da mesa, jogando água nos pés e expulsando geral. Leonardo, baiano de vinte e poucos anos, recém-chegado ao Rio para estudar História na PUC.
Pedro, carioca vida louca, comedor de tudo que a boca e o resto do corpo comem, bom de porrada, desenrolo e cama. Dali, os dois foram parar no Arpoador e levaram uma dura da polícia logo de cara. Depois aplaudiram o nascer do dia, nadaram pelados, puxaram um baseado, trocaram uma ideia. A primeira foda frenética rolou ali mesmo entre as pedras, tendo o sol quente de testemunha. Uma semana depois, estavam morando juntos.
Dia desses, Leonardo acordou no meio da madrugada na maior paudurência. E não era tesão de mijo, era tanta vontade de foder que o pau do baiano chegava a vergar, trincar inteiro dentro da cueca. Virou para o outro lado da cama, procurou o corpo do companheiro com os braços e as pernas: como de costume, e nada. Deu um pulo da cama e ligou para o celular do Pedro: “O número para o qual você ligou encontra-se fora da área de cobertura ou desligado. Por favor, tente mais tarde”. Não tocou, caiu direto na caixa postal. Leonardo mandou mensagem pelo WhatsApp. Pedro não visualizou nem respondeu. “Filho da puta!”, pensou. Em seguida, se deu conta de que o celular dele estava em cima da mesa.
Pedro deve ter saído com tanta pressa que se esqueceu de levar, deixando sem pistas o lugar do perdido e do barraco que Leo iria armar quando chegasse e pegasse o negão na infração. Fato. Mal se vestiu, nem sequer esperou o elevador. Foi de escada mesmo, feito louca, catando cavaco escada abaixo. Quase torceu o pé. Desceu a rua São Carlos feito flecha a caminho do alvo, meio manco e disfarçando a dor, rumo à Lapa, atrás do marido. Perguntou para um, perguntou para outro, caçou em tudo quanto era esquina. Vasculhou cada pé-sujo, voltou ao inferninho onde trocaram os primeiros beijos, deram os primeiros tapas e muitas vezes saíram no braço por causa de ciúmes.
Numa dessas ocasiões mais encaloradas de enrosco e violência, baixou até polícia. Leonardo seguiu na caçada, virado no catiço e violento feito bala perdida, procurando o bofe nas rodas de samba com sangue nos olhos. E nada de se deparar com o bandido. Enfiou-se numa daquelas cabeças de porco da rua do Lavradio, e até no Cine Íris atrás do desgraçado ele foi. Por ali, já fazia tempos que Pedro Porrada — como o valentão era conhecido no reduto — não dava as caras. O brigão estava pedido na área.
Mais uma noite sem o negão. Não era bem de Pedro que Leo sentia falta. Era da confusão, do bate porta, das mordidas e unhadas espalhadas pelo corpo que ele sentia saudade. Até a vizinhança andava estranhando a calmaria daquele prédio cuja harmonia era sempre quebrada pela baixaria do casal sem-vergonha do 601: nenhum palavrão, nenhum prato arremessado no chão, zero bafafá. De resto, só a Marrom quebrando o silêncio daquele lugar com “Sabe, meu menino sem juízo, eu aprendi a te aceitar assim, já me acostumei a perdoar você”…
Aquele conjugado do Largo do Estácio, bem na subida do Morro de São Carlos, não era igual sem o Pedro. Um cafofo vazio e sem sentido. A vida estava sendo dura demais com a bicha sofrida. Chegava a doer. Leonardo caiu na real, entregou os pontos. Manteve tudo no mesmo lugar: a mesa posta com tudo do bom e do melhor para agradar o marido que lhe enchia de pancada, de amor, de flor, de dor.
As luzes vermelhas permaneceram todas acesas. A cerveja gelada, o baseado bolado e apertado no esquema. A cama seguia pronta, o celular com a bateria carregada repousava sobre a cabeceira caso o dono ligasse ou, quem sabe, qualquer dia desses, chegasse.
Serviço:Lançamento de ‘Minha Estranha Loucura’, na sexta-feira, 10 de outubro, no ateliê do designer quilombola Dih Morais. A obra traz contos deliciosos sobre amores LGBTQIAPN+. Na programação, uma roda de conversa com mediação do jornalista Alberto Pereira Jr. O encontro começará às 17h, no Largo do Paissandú, 72 (sala 2103), no Centro Histórico, São Paulo.
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