“Acredito que não tenha sido suficiente”, diz vítima de injúria racial de Luísa Sonza sobre retratação pública

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Em entrevista exclusiva ao Notícia Preta, a advogada Isabel Macedo de Jesus, vítima de injúria racial da cantora Luísa Sonza considera que a retratação pública da artista “não tenha sido o suficiente” para combater a estrutura do racismo e promover o debate antirracista. O processo da acusação de injúria racial e danos morais durou 4 anos e correu entre 2018 e 2022. As partes chegaram a um acordo, a ação resultou numa indenização com valor não revelado e uma retratação pública da artista.

Nesta quarta-feira (20), Isabel analisou a retratação da cantora:

Acredito que não tenha sido o suficiente, mas certamente foi uma importante ação para que as pessoas brancas comecem, imediatamente, a rever seus comportamentos para com a sociedade em especial a população preta”, disse Isabel.

Vítima da situação, Isabel ainda acredita que pelo fato da cantora ser famosa e ter alcance público a postagem tem peso maior. Para Isabel, “a retratação vindo dela[Luísa Sonza], em razão deste processo, por meio de todas as redes sociais alcança o maior número de pessoas possíveis fazendo com que o debate seja sim visto como necessário”, disse Isabel.

A advogada de Isabel, Jéssica Oliveira, em nota afirmou que o acordo foi satisfatório, analisou a sub-representação de grupos minoritários.

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Luísa Sonza – Reprodução Instagram

Leia abaixo a nota na íntegra:

“Não há como negar que o racismo estrutural traduzido em práticas diretas e indiretas da sociedade, em desfavor da população negra, derruba de uma vez por todas o mito da democracia racial. Portanto, o intuito da ação judicial em face da cantora Luísa Sonza foi demonstrar como que inclinações pessoais, ainda que inconscientes, afetam o julgamento do indivíduo sobre determinados grupos minoritários.

Quanto ao impacto do processo, a busca por reparação implica em uma verdadeira batalha, não apenas em face do agente causador do dano, mas também em face de um Judiciário com sub-representação de grupos minoritários e com magistrados que, em sua maioria, analisam esse tipo de demanda com a lupa do mito da democracia racial. Vencer essa batalha não importa em êxito apenas para a Isabel, mas para todos aqueles que se sentem desencorajados mediante a situações discriminatórias, além de um alerta sobre a necessidade de termos um Judiciário que represente de fato o caráter pluriétnico da população brasileira. Prova disso é a campanha realizada por várias organizações do movimento negro pela indicação de uma jurista negra para ser ministra no STF, o que nunca ocorreu em 132 anos de história da referida Corte.

Por fim, não há como dizer que não é satisfatória a celebração de um acordo que contemplou todos os pedidos pleiteados pela Isabel.
É importante explicar que o valor do pedido de indenização por danos morais impacta no valor das custas a serem pagas para a distribuição do processo, e isso é um fator que limita o referido pedido quando, segundo o entendimento do magistrado que recebe a ação, a parte não goza do direito à gratuidade de justiça, o que ocorreu no caso da Isabel.
Por conta disso, muitas pessoas que, por receio de ver negado o direito à gratuidade de justiça, deixam de recorrer ao judiciário, justamente por não ter condições financeiras de arcar com as custas processuais, sendo este o primeiro obstáculo para a propositura de demandas desta natureza.
Quanto à retratação pública, é valioso esse reconhecimento da natureza discriminatória da conduta por parte dos responsáveis, principalmente quando se trata de pessoas públicas, uma vez que podem contribuir para o debate e para a reflexão acerca das diversas formas de racismo na nossa sociedade.

Atenciosamente,

Jéssica Oliveira
Advogada especialista em Direito Antidiscriminatório”

A assessoria da cantora Luísa Sonza foi procurada pelo Notícia Preta, mas não se pronunciou até o momento. Ao responder a parte terá o direito de resposta.

Entenda o caso

O processo contra a cantora foi movido após a advogada Isabel Macedo de Jesus ser abordada por Luísa Sonza, em uma pousada em Fernando de Noronha – Arquipélago em Pernambuco – pedindo para que ela pegasse água, “confundindo” Isabel com alguém que trabalhava no local.

A advogada estava comemorando seu aniversário, quando tudo aconteceu, em 2018.

Ao voltar do banheiro fiquei próxima do palco para ouvir a música. Era meu aniversário, eu tinha viajado sozinha e estava dançando, me divertindo e aproveitando a festa. Por um acaso parei atrás da Luisa. No evento tinham vários famosos, mas nem sabia quem era ela. Nunca tinha ouvido falar. Foi então que ela virou, bateu no meu ombro e disse “Pega um copo d’água pra mim?’. Eu respondi que não tinha entendido, ela repetiu a frase e completou ‘Você não trabalha aqui?’”.

Em seguida, Isabel questionou a cantora por qual motivo ela havia confundido ela com uma funcionária do local.

Na hora eu disse a ela que ela nunca sentiria o que eu estava sentindo, pois ela nunca seria confundida com as pessoas que servem nas festas que ela frequenta. Não é demérito algum ser empregada, eu mesma já fui doméstica, a questão é por que a branquitude sempre nos enxerga nessa posição de serviçal? Por que nos entendem como pessoas que só podem servi-los mas nunca como pessoas que podem consumir, viver e viajar como eles?”, questionou Isabel na época, também em entrevista exclusiva ao NP.

Depois de toda a situação, Isabel registrou o caso em uma delegacia.

Leia mais: Audiência sobre suposto caso de racismo de Luisa Sonza é cancelada após link vazar

Thayan Mina

Thayan Mina

Thayan Mina, graduando em jornalismo pela UERJ, é músico e sambista.

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