8 de março: “a data ainda é feita para mulheres brancas”, afirma a mulher trans Dandara Felícia

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Com a chegada do dia 8 de março, mulheres negras e trans e travestis ressaltam a luta constante por seus direitos e visibilidade. Dandara Felicia, mulher travesti negra, mestranda em Serviço Social reflete sobre a representatividade no dia da mulher.

“Assim como a gente tem depois do momento de colonização dos países, uma ótica racista de divisão das pessoas, a gente cria um ‘sujeito universal’ detentor do conhecimento e esse sujeito é o homem cis heterossexual masculino. Mas ele elege uma figura como ‘sujeita universal’, que é a mulher branca cis heterossexual e esse 8 de março é feito para elas”, conta Dandara.

Dandara Felicia. Mulher Travesti Negra, mestranda em Serviço Social – Foto: Arquivo pessoal

Para ela, embora exista uma discussão a respeito, a data ainda é vista pelo olhar do feminismo branco e cisgênero. Dandara aponta a falta de recorte de raça e identidade de gênero nos movimentos do dia 8 de março.

Bruna Hildebrando de Lima, Social Media, Designer e mulher trans, ressalta que, assim como outros movimentos sobre as mulheres, a data gira em torno da mulher cis. Ela explica que o foco em discussões “sobre gerar um filho e menstruação, acaba invisibilizando as mulheres trans que lutam tanto para serem respeitadas como tal”.

Quando se trata do feminismo, Dandara diz que se vê represenada. Ela entende que o recorte racial faz com que as feministas negras incluam outros corpos de mulheres, mas no feminismo branco não acontece o mesmo. “Eu não me sinto representada no feminismo liberal e nem no radical feminismo”, lamenta.

Bruna afirma que o feminismo tradicional não inclui as mulheres trans como iguais. Colocá-las em um nicho à parte torna a luta pela classe feminina individualista. Dandara e Bruna concordam que as mulheres trans não possuem nenhuma visibilidade nos eventos que abordam pautas femininas.

“Muitas vezes esses lugares preferem contratar drag queens, que não são pessoas trans, são homens vestidos de mulher para performar, e colocam eles como representatividade. Sendo que eles são corpos cisgêneros”, relata Dandara.

Dandara Felícia ressalta que a data ainda é para mulheres brancas – Foto: Arquivo pessoal

Bruna complementa dizendo que as mulheres cis negras conquistaram espaço no Dia Internacional da Mulher recentemente, mas “as trans negras ainda seguem à beira da invisibilidade, negligenciadas e caladas. É raro uma oportunidade”, desabafa.

Lucimara Reis, doutoranda em Serviço Social, mulher cis negra, compõe o Fórum 8M em Juiz de Fora (MG). Fundado em 2017, o Fórum reúne organizações, mulheres e coletivos feministas. Ela explica que na celebração do dia da mulher, a instituição amplia os espaços para as organizações que desejam somar.

“Para compor o Fórum 8M/Juiz de Fora é preciso ser lutadora contra o racismo, anticapitalista e não aceitar a Lgbtqiap+fobia. As táticas da Luta a gente vai moldando no debate sincero e fraterno”, conta ela sobre a inclusão das várias formas de ser mulher reconhecidas no 8M.

Transfeminicídio

A luta das mulheres trans/travestis vai além de visibilidade, é uma questão de sobrevivência. De acordo com dossiê de 2022 mas lançado em 2023 pela Associação Nacional de travestis e transexuais, no período de 2017 e 2022, a média de pessoas trans negras assassinadas é de 79,8%, enquanto para pessoas brancas esse índice cai para 20%.

Em 2022, como em 2021, o dossiê registrou uma travesti indígena assassinada. O documento também aponta para uma frequente subnotificação dos casos de assassinatos e um dos motivos é a falta de dados referentes a raça e etnia.

Dados da Antra revelam que “o número de vítimas sem identificação de cor nos boletins de ocorrência explodiu a partir de 2020, após protestos antirracistas por George Floyd e Beto Freitas”.

Mulheres trans e travestis não se veem representadas no Dia Internacional da Mulher. Foto: Canva

O cadastro manual pode gerar subnotificação dos casos de transfeminicídio. Foto: Canva

Outro ponto que pode levar à subnotificação é o fato dos campos sobre orientação sexual, identidade de gênero, cor e raça serem preenchidos manualmente pelos policiais, no momento do registro de ocorrência.

Leia também: 79% das pessoas trans vítimas de assassinatos são negras, revela levantamento

Sobre o local e período dos assassinatos, 61% ocorreu no período noturno, 64% ocorreram em cidades do interior do país. Nas favelas do Brasil, existe uma dificuldade para monitorar casos de violência contra pessoas trans, em razão do abandono do Estado.

Marina Lopes

Marina Lopes

Marina Lopes é jornalista e escritora juiz-forana, apaixonada pela palavra e por contar histórias através dela.

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