Um movimento crescente na internet nas últimas semanas tem por objetivo algo muito simples: dar visibilidade a grandes artistas negros que foram escamoteados no curso da vida – fruto, claro, do vigente racismo estrutural. Depois das atrizes Neusa Borges, Zezeh Barbosa, Mary Sheila e do ator Raphael Logam, chegou a vez de Sérgio Loroza receber uma avalanche de carinho no Instagram. Trata-se de um campanha puxada pelo fotógrafo e influenciador digital Roger Cipó.
Desde o início de dezembro, o paulista resolveu propor reflexões sobre a ausência e a invisibilidade de nomes importantes da dramaturgia brasileira. Começou com Raphael Logam, o ator da série Impuros que foi indicado duas vezes ao Emmy. Resultado: em poucos dias, Logam ganhou mais de 10 mil seguidores.
“Eu estou fazendo essa campanha porque quero pautar a TV. Eu quero chamar todas as emissoras de televisão, quero chamar o cinema para constranger e dizer assim: ‘2020, por que não?’. Os personagens dessas pessoas são os personagens que conversam com milhões de televisões em todo o Brasil. Esses personagens refletem a cor, o cabelo e a cultura da maioria desse país”, argumentou Cipó, em entrevista ao Notícia Preta.
O movimento ganhou adeptos e novos alvos. E proporcionou uma profícua fusão de emoções. Zezeh Barbosa, que já recebeu 11 prêmios como atriz, não se conteve ao celebrar algo muito mais valioso do que ter passado de 14 mil para 44 mil seguidores: Zezeh celebrou o amor.
“Fico tão emocionada com tanto carinho! Quero agradecer de todo o coração a importância que tem o amor na minha vida. Está sendo um dia maravilhoso, e eu quero agradecer de coração. Eu amei”, disse, às lágrimas.
“O racismo é sobre exterminar a presença de pessoas pretas – seja física, simbólica, epistemologicamente… Da ordem que for. O racismo age para exterminar a nossa presença, para nos tirar de circulação. Essa ação não é só sobre like, não é só sobre celebrar. Isso é reestabelecer a ordem. É entregar afeto a essas pessoas que formaram as nossas identidades a partir da TV, com seus personagens, e abriram caminho para uma série de outros atores”, afirmou Roger.
Com Loroza, na manhã da última segunda-feira (14), a emoção também deu tom à campanha. O cantor e ator, com diversos trabalhos de destaque tanto na música quanto na dramaturgia, tinha 65 mil seguidores; até o presente momento, no raiar desta terça-feira (15), já eram mais de 130 mil.
“A gente precisa construir uma cultura em que as pessoas pretas não fiquem em evidência somente na tragédia. A gente precisa naturalizar a potência e a evidência das pessoas pretas por conta dos seus trabalhos. Neusa Borges, por exemplo, é uma dama, uma rainha da dramaturgia, que não deve nada a uma Fernanda Montenegro, por exemplo. Esse país deve às pessoas negras. Por que Neusa Borges não está no mesmo lugar de reconhecimento? Por que Sérgio Loroza não está no mesmo lugar dos atores que têm um milhão de seguidores? Por que Mary Sheila não é uma personalidade da internet? A gente vai precisar fazer essa discussão. É essa ação que vai dar esse estalo nas pessoas. O seguidor fala: ‘por que eu não estou acompanhando?’. O publicitário fala: ‘por que não está na nossa campanha?’. O diretor de cinema fala: ‘por que não está no nosso roteiro?'”, enfatizou o fotógrafo.
“As pessoas voltam pra se pensar: ‘como eu não acompanhava alguém que fez parta da construção da minha identidade?’. E aí, nessa reflexão, o que as pessoas têm pra retornar é o afeto. A gente reestabelece uma relação afetiva que foi construída a partir desses personagens e tem a possibilidade de devolver. A rede social aproxima. É mais fácil um fã mandar uma mensagem para uma senhora como Neusa Borges e ter uma resposta dela. E a troca de afeto alimenta. É esse afeto que dá a condição da gente se humanizar e celebrar essas pessoas em vida”, concluiu Cipó.
Muitas pessoas aderiram à campanha, o que potencializou ainda mais o alcance da ação. O humorista Yuri Marçal, que tem mais de um milhão de seguidores no Instagram, foi um dos que somaram na empreitada que faz jus ao ubuntu em seu estado puro: nós por nós.