Recusamos as expectativas dos trinta e poucos anos quando entendemos a desigualdade social que impacta na produtividade de pessoas negras
Por Lívia Teodoro*
Em um Brasil marcado por profundas disparidades sociais e raciais, é crucial reavaliaras expectativas impostas, especialmente quando se trata do sucesso global aos 30 anos. A desigualdade que permeia nossa sociedade, não apenas impacta o acesso a oportunidades, como também influencia diretamente a produtividade das pessoas negras.
Ao analisarmos o contexto atual, torna-se evidente que a trajetória de vida das pessoas negras é significativamente afetada por barreiras estruturais que vão além das nossas capacidades individuais. A desigualdade social e racial impõe limitações ao acesso à educação de qualidade, oportunidades de emprego e a tão aguardada ascensão profissional.
É comum nos depararmos com a expectativa de que, aos 30 anos, todos alcançarão determinados níveis de sucesso profissional, pessoal e financeiro. Contudo, para nós, pessoas negras, essa jornada muitas vezes é mais desafiadora devido às barreiras enfrentadas desde muito cedo.
A falta de representatividade, a discriminação no ambiente de trabalho, dificuldade no acesso à educação e a escassez de oportunidades equitativas são obstáculos que moldam uma realidade distinta.
Desigualdade de gênero e raça x Produtividade: uma conexão inegável
A desigualdade social e racial não é apenas uma questão de justiça, mas também afeta diretamente a produtividade da população negra. Ao sermos privadas de oportunidades igualitárias, enfrentamos um cenário no qual a busca por sucesso é prejudicada por fatores sistêmicos que fogem ao controle individual.
Em um contexto onde desafiar a engrenagem desigual já se revela como uma tarefa difícil para aqueles que não precisam enfrentar o racismo, a realidade se torna ainda mais brutal para as mulheres negras que ocupam a base da pirâmide social no Brasil. Conforme demonstrado pelo estudo “Educação e Treinamento da Mulher”, publicado pelo IPEA em 2020, a disparidade na taxa de escolarização reflete a profundidade das barreiras enfrentadas por nós.
As mulheres brancas lideram a taxa de escolarização entre jovens de 18 a 24 anos, com uma taxa de 36,6%, seguidas pelos homens brancos com 31,5%. Em contraste, as mulheres negras enfrentam um índice de apenas 28,1%, enquanto os homens negros têm uma taxa ainda inferior, registrando 23,9%. Esses números ressaltam a necessidade de abordar as desigualdades estruturais que permeiam o sistema educacional, impactando diretamente a trajetória e oportunidades das pessoas negras no Brasil.
Neste panorama de desigualdades estruturais, a limitação no acesso à educação é um dos fatores preponderantes que perpetuam a disparidade entre pessoas negras na busca por uma ascensão em sua posição social. No entanto, as barreiras não se restringem apenas à esfera educacional. No caso das mulheres negras, o cenário é agravado pelo expressivo número de mulheres ocupando empregos subalternizados, uma realidade que não apenas esgota nossa energia diária, mas também prejudica a saúde física e mental, tornando desafiador o empreendimento de estudos adicionais.
Essa interseção de desafios cria uma teia complexa que impacta diretamente a capacidade de pessoas negras se destacarem e alcançarem um avanço significativo em suas condições de vida.
Desigualdades multidimensionais: salários, emprego e educação das mulheres negras no Brasil
Ao aprofundarmos a análise da nossa realidade, a pesquisa “A mulher negra no mercado de trabalho brasileiro: desigualdades salariais, representatividade e educação entre 2010 e 2022”, conduzida pela Associação Pacto de Promoção da Equidade Racial, demonstra que as mulheres negras enfrentam não apenas obstáculos educacionais, mas também desigualdades salariais substanciais.
Mulheres negras recebem apenas 81,6% do salário de homens negros, enquanto mulheres brancas recebem 76,8% do que é pago a homens brancos, que atualmente recebem a maior média de salários no país. Diante dessa realidade, a remuneração torna-se não apenas uma questão financeira, mas também uma medida de identidade em um contexto capitalista, onde o quanto se ganha muitas vezes define a percepção do valor que temos na sociedade.
Ainda é importante abordar a alarmante situação de desemprego enfrentada de maneira desproporcional por mulheres negras. O estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), baseado em dados da Pnad Contínua do IBGE, revelou que mulheres negras enfrentaram o maior aumento na taxa de desemprego em comparação com todos os outros grupos de sexo e cor.
Durante o período da recessão econômica, entre o terceiro trimestre de 2014 e o primeiro trimestre de 2017, a taxa de desemprego para mulheres negras aumentou em surpreendentes oito pontos percentuais, representando um crescimento de 80% em relação ao período anterior à recessão. Essa disparidade se destaca ainda mais quando comparada ao menor aumento observado entre homens brancos, que registrou um acréscimo de apenas 4,6 pontos percentuais.
É urgente abordar as complexas interconexões de desigualdades que perpetuam a situação precária das mulheres negras em nossa sociedade.
Por tudo isso, é importante reconhecermos que o sucesso aos 30 anos não pode ser uma métrica universal quando a desigualdade estrutural está presente. Em vez de impor expectativas irrealistas, devemos direcionar nossos esforços para a promoção de um ambiente mais gentil e equitativo para pessoas negras.
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Ao compreendermos a influência da desigualdade social e racial na produtividade de pessoas negras brasileiras, abrimos espaço para uma conversa mais honesta sobre sucesso e expectativas. Romper com estereótipos exige não apenas empatia, mas também ações concretas para eliminar as barreiras que perpetuam a desigualdade.
Somente por meio de uma mudança coletiva e compromisso com a equidade poderemos construir um futuro no qual o sucesso não seja medido por padrões inatingíveis, mas pela superação diárias das adversidades impostas e como elas impactam a realidade de cada um de nós.