Presença de advogados negros cresce em escritórios, mas desigualdade continua

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A contratação de advogados negros nos grandes escritórios de São Paulo cresceu de 1%, em 2019, para 11%, em 2022. Entretanto, essa mudança no processo seletivo não é suficiente para transformar a desigualdade dentro do ambiente de trabalho dominado pelo perfil do homem branco, cisgênero, heterossexual, de classe alta.

Esses dados foram extraídos da pesquisa realizada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) em conjunto da Aliança Jurídica pela Equidade Racial, a qual é formada por 12 das maiores bancas de São Paulo (BMA, Demarest, Lefosse, Machado Meyer, Mattos Filho, Pinheiro Neto, Tozzini Freire, Trench Rossi Watanabe, Veirano, Cescon Barrieu, Felsberg e Stocche Forbes).

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Quantidade de advogados em escritórios de SP cresceu 10% em três anos. Foto: Pexels

O diretor do Ceert, Daniel Bento, afirma que as empresas enquadraram as políticas de inclusão para contratações de profissionais negros, estágios, formações em recursos humanos e grupos de discussão.
Essa medida, porém, não é suficiente para que haja uma mudança na logística dos escritórios pelo país.

O grande espaço existente entre o número de formados e contratados negros exemplifica que as bancas ainda contribuem com o racismo estrutural. Dessa maneira, para que sejam efetivas, as políticas de inclusão e discussões sobre o tema devem fazer parte de todas as estruturas e campos da empresa.

“O senso comum associa o racismo a episódios de discriminação racial, mas essa é uma das formas. O racismo é um sistema de opressão, que hierarquiza vidas de acordo com o seu pertencimento étnico-racial”, diz Daniel.

Segundo dados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), há cerca de 1,34 milhão de advogados no país. Desde de 2011, há mais de 635 mil profissionais registrados no país, dos quais 170 mil se declaram pardos e 41 mil, pretos. No total, ambos representam 33%. Não há conhecimento sobre o percentual de profissionais negros que ingressaram antes na Ordem.

Racismo na porta de entrada

A carência de entendimento sobre o racismo estrutural é algo recorrente para a advogada Thayna Yaredy, sócia-fundadora da Gema Consultoria. A empresa constituída por mulheres presta serviço na área de compliance em equidade.

De acordo com Thayna, o pensamento do negro único ainda predomina em muitas empresas. Isto é, os escritórios acham bastante contratar apenas um funcionário negro homem e outra mulher. “Há dificuldade em entender que a expansão beneficia a empresa como um todo, o que precisa ser incorporado de forma institucional para que seja algo estruturante.”, acrescenta.

A advogada ainda alerta para outras falhas no processo de contratação. “Há um debate não iniciado de maneira profunda sobre o reconhecimento da dificuldade do acesso sobretudo de mulheres negras retintas, gordas e que não sejam sudestinas nos espaços de trabalho e cargos de liderança dos grandes escritórios.”

O presidente da Associação Nacional da Advocacia Negra (Anan), Estevão Silva, também acredita nos defeitos dos processos seletivos das empresas e acredita haver um perfil de pessoa negra preestabelecido para contratação. “Se a pessoa usa turbante ou bandana eles não aceitam. Escritórios preferem o negro careca.”

Para a advogada Ana Carolina Lourenço, que integra a área de contencioso cível e o comitê de diversidade e inclusão do escritório Machado Meyer, compartilha que antes de chegar à empresa, ela passou anos alisando o cabelo para ser aceita, uma das facetas do racismo muito presente e disfarçada na sociedade como medida de profissionalismo.

“Nunca tinha outra pessoa negra no mesmo lugar que eu. O ambiente jurídico não era de pertencimento, mas de exclusão. Não adianta só trazer estagiários sem tornar esse um ambiente que valoriza a pessoa negra. É preciso que os escritórios entendam que o cabelo negro também é boa aparência.”

Estevão Silva ainda acrescenta que essa exclusão permanece dentro do escritório. Um exemplo disso é a distribuição de processos de maior visibilidade, que não são dados para os advogados negros. Somado a isso, os profissionais negros que chegam aos tribunais para fazer sustentações orais são poucos. “Essa inclusão é só da porta para dentro. E na sala do fundo”, diz.

Elitismo nos pré-requisitos

Outra exigência muito comum às empresas são os termos de formação do advogado. Existe uma preferência para graduados da Universidade de São Paulo (USP), Fundação Getúlio Vargas (FGV), Pontifícia Universidade Católica (PUC) e Universidade Presbiteriana Mackenzie, todavia, a maioria dos profissionais negros sai de outras instituições.

A solicitação do inglês fluente como pré-requisito e a valorização da formação no exterior barram não só o ingresso, como também, a ascensão desses advogados. O Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB São Paulo, o advogado e doutor em direito Irapuã Santana julga essas exigências como “falso uso da meritocracia”.

“Tem duas regras diferentes, uma para as pessoas que o escritório conhece, o chamado QI (Quem Indique), e outra para quem não tem esse networking no mercado jurídico. Essa barreira formal é colocada dentro da capa da meritocracia. Para os amigos, a gente dá tudo, para os inimigos, a lei”, diz.

Fabiane Silva, advogada que cresceu em uma favela em Porto Alegre (RS), filha de mãe solo, conta que ouvia que o direito não era pra ela. Apesar dos preconceitos, Fabiane persistiu no sonho e fez parte da turma de direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2015, sendo a única negra entre 70 alunos. “Foram cinco anos resistindo. Perdendo aula pelo toque de recolher na comunidade e por não ter passagem escolar.”

Em sua carreira, Fabiane já foi “confundida” com ascensorista ou com funcionária da limpeza, no início, e depois, formada, era a pessoa que enfrentava etapas extras para provar a capacidade nos processos seletivos. Hoje, a advogada atua na área trabalhista do escritório RMMG Advogados, no qual integra o grupo de diversidade, inclusão e sustentabilidade.

“As pessoas brancas de grandes escritórios vivem em bolhas. Quando a gente começa a furar essa bolha e tornar o ambiente mais diverso, eles começam a conhecer outras histórias, entender que o mundo não é só aquilo que eles vivem e a contribuir para que essas diferenças diminuam”, diz. Fabiane defende a criação de cotas de contratação e acredita que a diversidade beneficia a todos.

Antirracismo na prática

O projeto Incluir Direito, da USP, criado em 2016 pelo Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), em parceria com a Mackenzie, prepara estudantes negros para processos seletivos de escritórios de advocacia.

O programa teve participação de 230 alunos em universidades públicas e privadas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Para Alessandra Benedito, professora da USP e coordenadora do projeto, os escritórios que querem contratar esses estudantes precisam passar por um processo de letramento racial para promover a equidade.

“Há escritórios que não estavam acostumados a receber pessoas pretas e isso significa que a gente se vê desafiado todos os dias. Quem recebe precisa entender que eles chegam com uma mala cheia de possibilidades para a construção de um escritório com ideias mais amplas e diversas”, diz.

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