Por que negros são frequentemente percebidos como uma ameaça, mesmo por outros negros?

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Por que, no Brasil, indivíduos negros são frequentemente percebidos como uma ameaça, mesmo por outros negros? O caso de Igor Melo de Carvalho, um universitário negro de 32 anos, ilustra tragicamente essa realidade. Em 25 de fevereiro de 2025, Igor e o motorista de aplicativo Thiago Marques de Carvalho foram presos após serem acusados de roubo pelo policial militar aposentado Carlos Alberto de Jesus, um homem negro, e sua companheira Josilene. Igor foi baleado pelo militar durante a abordagem. Posteriormente, a Justiça determinou a soltura de ambos, reconhecendo que foram confundidos com os verdadeiros assaltantes e que não havia indícios de sua participação no crime.

Este episódio levanta questões profundas sobre a construção social do racismo no Brasil e como ele influencia a percepção do negro como perigoso, até mesmo entre os próprios negros. A internalização de estereótipos negativos pode levar ao que alguns estudiosos chamam de “auto-ódio”. A historiadora Ynaê Lopes dos Santos destaca que, apesar de os negros representarem 55% da população brasileira, eles constituem 87,8% das vítimas de violência policial. Essa discrepância reflete uma sociedade que, historicamente, associa a imagem do negro à criminalidade e ao perigo. A normalização da violência contra negros é tão enraizada que, mesmo diante de casos brutais, a reação pública muitas vezes é apática. Lopes dos Santos observa que a constante exposição a essas tragédias tornou-se parte da “normalidade” brasileira, resultando em uma sociedade insensível à violência sistêmica contra a população negra.

Igor Melo foi alvejado pro Carlos Alberto de Jesus – Foto: Reprodução

Historicamente, o racismo no Brasil foi moldado por mais de três séculos de escravidão e por teorias racialistas que influenciaram a construção da identidade nacional. Após a abolição, a ausência de políticas de integração para a população negra perpetuou a mentalidade e as práticas escravocratas nas estruturas da república. A ideologia do branqueamento, promovida no início do século XX, incentivou a miscigenação como forma de “clarear” a população, levando muitos negros a internalizarem preconceitos e a rejeitarem suas próprias raízes. Essa negação da ancestralidade africana e a busca por características associadas à branquitude resultaram em um profundo complexo de inferioridade e auto-ódio entre os negros brasileiros.

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A internalização do racismo é um processo insidioso que leva indivíduos negros a absorverem estereótipos negativos sobre si mesmos e sobre outros negros. A psicóloga bell hooks descreve o auto-ódio como uma “engrenagem inconsciente de negação a si mesmo”, onde a população negra é constantemente provocada a odiar seus traços, pele, cabelo e história. Esse fenômeno é resultado de múltiplos dispositivos sociais que promovem a supremacia branca e a inferiorização do negro, levando a uma autoimagem distorcida e à perpetuação de atitudes discriminatórias dentro da própria comunidade negra.

A perpetuação desses estereótipos é reforçada por práticas policiais falhas. O caso de Paulo Alberto da Silva Costa exemplifica isso: um homem negro que foi erroneamente acusado de 62 crimes com base em reconhecimentos fotográficos falhos. A polícia utilizou selfies de seu perfil no Facebook, levando a identificações racialmente tendenciosas e imprecisas. Apesar de diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça para evitar tais práticas, o uso de reconhecimentos fotográficos sem critérios rigorosos continua a prejudicar desproporcionalmente a população negra.

Como podemos, enquanto sociedade, desconstruir essas percepções enraizadas e promover uma verdadeira igualdade racial? É imperativo que reconheçamos e enfrentemos o racismo estrutural que permeia nossas instituições e relações sociais. Somente através da educação, da valorização da cultura negra e da implementação de políticas públicas inclusivas poderemos romper o ciclo de auto-ódio e construir uma sociedade mais justa e equânime.

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