O Brasil reduziu drasticamente a insegurança alimentar de 2022 para 2023, saindo de 17,2 milhões de pessoas para 2,5 milhões de pessoas com fome segundo dados do Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (SOFI 2024). Esta quarta-feira (16), dia mundial da alimentação o Notícia Preta, decidiu analisar a situação atual do Brasil e os desafios para o fim da fome.
Conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar entre 2003 a 2016, Gleyse Peiter que é doutora em História das Ciências e o economista Gabriel Xavier respondem questões sobre o tema.
Notícia Preta: Celebramos que o Brasil saiu do mapa da fome em 2014, porém para sair do Mapa da fome é preciso que o nível de fome seja inferior a 2,5% e o Brasil tinha 1,7%. Da pra considerar o mapa da fome como horizonte visto que tinham cerca 3 milhões com fome?
Gleyse Peiter: “O Brasil tem condições de produzir alimentos para toda sua população, mas o que falta não é comida, é renda para aumentar o acesso de toda a população. É preciso analisar se as medidas adotadas, as políticas sociais, que de alguma forma, contribuem para atuar no processo de redução da fome e da insegurança alimentar estão adequadas, se são suficientes nas condições em que o país se encontra. Nos anos da pandemia houve um aumento desses números no mundo todo, e no Brasil não foi diferente. Além disso, houve um importante retrocesso em termos de políticas sociais de programas de segurança alimentar e nutricional. Segundo os dados de 2024 houve redução de 85% da insegurança alimentar severa – fome, no Brasil, o que sem dúvida, é um avanço”.
Gabriel Xavier: “Sair do mapa da fome, como bem notado, não significa de forma nenhuma a erradicação da fome, assim, tendo o seu fim como objetivo, não é possível considerar a saída do mapa da fome como um horizonte final”.
NP: Quais seriam os rumos que a política econômica poderia tomar para reduzir a fome no país?
Gabriel: “É necessário uma mudança estrutural na economia, acabar com o modelo primário-exportador, onde a maioria da produção agrícola não é destinada ao mercado interno, mas sim ao comércio internacional através da exportação de soja e milho, por exemplo. Nesse sentido, é necessário a reforma agrária surge como instrumento essencial de erradicação definitiva da fome”.
Gleyse: “A primeira coisa se pensar é a redução das desigualdades, porque quando se tem aumento no preço dos alimentos e queda da renda da população, a insegurança alimentar aparece. A situação econômica do Brasil aponta que o PIB está maior que o esperado, as exportações estão crescendo, saldo comercial crescendo. Mas, e daí? Tudo isso está sendo compartilhado pela população? Foram previstos cortes em diversos programas sociais, como o auxílio gás (para cozinhar e comer); farmácia popular; programa pé de meia para auxílio a jovens; redução nos valores do Minha Casa Mina Vida. Além disso, R$ 3,2 bilhões foram congelados em obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), incluindo projetos de transporte, saúde, educação, saneamento e habitação. A busca não está sendo o bem estar da população, mas o tal do ‘déficit zero’., sendo que o Brasil tem uma das menores dívidas do mundo. O sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, disse uma vez : ‘uma economia só presta, só faz sentido, se for para melhorar a vida das pessoas’. Desse ponto de vista, parece que esta economia não tem muito sentido”
NP: Existe maneiras de baratear os alimentos hoje?
Gabriel: “Como medida imediata, o governo federal pode realizar políticas de compra de alimentos, em especial da agricultura familiar, entretanto, as medidas de austeridade do governo Lula têm impedido a majoração dessas políticas”.
Gleyse: “Um reforma tributária que considere questões importantes, como a redução dos impostos dos alimentos de uma cesta básica saudável, composta por alimentos in natura. Isso é importante porque os agricultores que comercializam seus produtos terão vantagens sobre aqueles produtos processados, das grandes redes de alimentos. Outo ponto seria ativar circuitos curtos de produção, onde os alimentos estariam disponíveis em localidades próximas aos locais de consumo, o que reduz o preço dos transportes; promover incentivos e fortalecimento crescentes da agricultura familiar, que é responsável pelos produtos em nossa mesa; garantir a formação de estoques para que os alimentos não encareçam em casos de uma tragédia climática, por exemplo e expandir o acesso ao crédito e assistência técnica”.
NP: A reforma agrária é elemento central para garantir a segurança alimentar no país?
Gabriel: “A reforma agrária é condição essencial para a erradicar a fome no país, enquanto houver latifúndios improdutivos ou destinados exclusivamente à exportação, haverá forme. Em resumo, a reforma agrária é peça essencial uma vez que promove a dinamização do mercado interno para a produção de alimentos e não apenas de produtos de exportação”
Gleyse: “Sem dúvida. A reforma agrária deve garantir o acesso a terra, e portanto, ao alimento. Embora a terra seja considerada um bem social na Constituição de 1988, na realidade, ela permanece como mercadoria, disponível para os ricos latifundiários. No Brasil, segundo dados da Oxfam, menos de 1% das propriedades agrícolas é dona de quase metade da área rural brasileira, ou seja, a concentração fundiária é dramática. Ainda segundo a Oxfam, as grandes propriedades rurais, com mais de 1.000 hectares, concentram 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos menores estabelecimentos, esse percentual varia entre 13% e 23%. Grandes empresas multinacionais estão usando as terras para monoculturas, como a soja, usada na alimentação bovina e exportada. Essa situação profundamente injusta agrava as desigualdades e, portanto, a insegurança alimentar”.
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