O historiador formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e com 15 anos de militância no movimento negro e nas lutas das favelas, David Gomes afirma que o 13 de maio — data que marca a abolição formal da escravidão no Brasil — perdeu centralidade no calendário do movimento negro, embora ainda mantenha relevância simbólica e institucional.
“Não é mais a principal data no calendário do movimento negro, o 20 de novembro ocupou esse lugar, mas o 13 de maio ainda tem uma importância simbólica e institucional”, afirma David. Segundo ele, o fortalecimento do 20 de novembro — Dia da Consciência Negra, que remete à morte de Zumbi dos Palmares — permitiu um novo olhar sobre o 13 de maio.

Agora, a visão é mais crítica e comprometida com uma análise profunda da luta do povo negro no Brasil. “A abolição foi fruto de muita luta e resistência, e, principalmente, ainda está inconclusa”, destaca.
Nesse sentido, o historiador pontua que o 13 de maio é hoje compreendido como um marco em aberto, que evidencia a permanência dos desafios enfrentados pela população negra. “Diversos coletivos, organizações do movimento negro, veículos da imprensa negra e núcleos de pesquisa acadêmica continuam organizando eventos na semana do 13 de maio até hoje pelo Brasil, não numa perspectiva de celebração, mas sob um olhar histórico e crítico.”
David também reflete sobre o papel do Estado Novo, período autoritário de Getúlio Vargas, na tentativa de moldar uma identidade nacional baseada na suposta harmonia racial. “Foi um período difícil para a classe trabalhadora e ainda mais complexo para o povo negro. O Estado disseminava a ideia de superação do racismo como estratégia de controle social”, analisa.
Ele lembra que foi nesse período que a noção de “democracia racial” ganhou força, sustentada por dois argumentos principais: a miscigenação e a ausência de leis raciais explícitas, como o apartheid sul-africano. Mas o custo desse discurso foi a repressão ao movimento negro organizado: “O Estado perseguiu e desarticulou a Frente Negra Brasileira e o jornal ‘A Voz da Raça’, além de outras organizações da imprensa negra, que denunciavam que o racismo ainda existia.”
Com o avanço das lutas sociais nas décadas seguintes, sobretudo a partir dos anos 1970, o 20 de novembro passou a ser reivindicado como a data central do movimento negro. Para David Gomes, essa mudança representa uma reapropriação da história por parte do povo negro.
“Esse movimento deslocou o protagonismo de uma princesa branca para seus devidos donos: o povo negro organizado. A data faz referência a Zumbi dos Palmares, o maior expoente dessa luta por liberdade”, diz.
O historiador ressalta que reconhecer o passado como instrumento de disputa política e ideológica é fundamental, especialmente diante do crescimento da extrema-direita no Brasil e no mundo. “O movimento negro organizado já sabe disso há muito tempo. O estabelecimento do 20 de novembro como marco de luta, memória e resistência é a prova disso.”
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